quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

O PODEMOS E A EFEMERIDADE DA POLÍTICA

 


(A política espanhola continua a ser um alfobre inesgotável de matéria para reflexão política, daí a sua presença constante e diversificada neste blogue. A análise comparativa com Portugal tem os seus limites, que são fortes e incontornáveis. A história de facto interessa e todos temos a perceção de que como o tempo histórico corre mais depressa aqui ao lado, à esquerda e à direita e não ignoremos também a incomparável organização territorial do Estado em Espanha que faz dos ensaios de descentralização em Portugal uma pequenina e dispensável referência. Desta vez, a minha reflexão volta-se para esquerda espanhola e poderia designar-se de crescimento e ocaso do PODEMOS, afinal mais uma evidência de como a política pode ser efémera.)

 

A formação política então liderada por Pablo Iglésias, que trazia a ciência política como modo de vida, irrompeu com estrondo em 2014, segundo um modelo de sábia e hábil representação do descontentamento popular que grassava em Espanha para com os partidos que se tinham alternado na condução dos destinos da nação espanhola. Compreendendo bem que as raízes desse descontentamento estavam nos cerca de três anos de embate da Grande Recessão em Espanha, sobretudo na sua vertente financeira e bancária, Iglésias investiu forte e feio contra o bipartidarismo reinante e transformou o PODEMOS numa força antissistema, progressista, capturando habilmente para um nível de votação que cresceu rapidamente toda essa onda de indignação que ocupara as ruas durante largo tempo.

Em 2015, evidenciando bem a força do movimento, o PODEMOS e forças políticas associadas como a Izquierda Unida representaram mais de seis milhões de votos, superando o PSOE em cerca de 500.000 votos. Era o que poderia designar-se de entrada de leão, culminada depois em 2020 com uma presença fortemente disseminada em governos locais e autonómicos, materializada depois numa vice-presidência (a do próprio Iglésias) e cinco pastas ministeriais no governo de Espanha. Ascensão meteórica e surpreendente, evidenciando bem como o PODEMOS pegou de estaca, respondendo na perfeição ao preenchimento de um vazio político, ditado pelo cansaço do bipartidarismo.

Pablo Iglésias parecia um vidente encartado e responsável quando em 2014 afirmou algo que viria a revelar-se algo de premonitório, sobre as razões que conduziram o PODEMOS a delapidar todo o capital político entretanto alcançado: “Quando minimamente que seja nos assemelharmos à casta estaremos mortos.”

Não é minha prioridade dar-vos conta de qual foi o caminho que conduziu à delapidação de todo o capital político recolhido pelo PODEMOS. Desde a natureza inorgânica dos projetos locais e autonómicos que assegurariam a extensão da presença do PODEMOS além dos meios mais animados de Madrid, que rapidamente ruíram acelerados por micro-protagonismos sem peso, até à própria saída e retirada de Pablo Iglésias, passando pela emergência de Yolanda Diáz e do projeto SUMAR, cuja interação com Sánchez se revelou bem mais frutuosa, ficou claro que afinal o PODEMOS era também a casta. E nestas coisas de novidade a efemeridade é tramada. Hoje, o PODEMOS agoniza, auge e ocaso, representando um claríssimo exemplo da aceleração do tempo político e da erosão acelerada a que os projetos políticos estão sujeitos.

A pergunta inevitável é se esta aceleração de auge e ocaso seria possível numa outra sociedade que não a espanhola?

Tenho sérias dúvidas quanto a isso. A meteórica ascensão do PODEMOS resulta em primeira linha de uma oportunidade rara – um vazio político associado ao cansaço do bipartidarismo, que a Grande Recessão provocara em Espanha, gerando um ambiente de indignação que estava maduro para uma resposta política. O PODEMOS foi essa resposta e daí a sua ascensão. Mas está por demonstrar que um projeto inorgânico e tão só de rejeição da casta política possa ser resiliente, sobretudo a partir do momento em que integra uma coligação de poder com um dos partidos que fazia parte dessa mesma casta.

 

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