terça-feira, 19 de dezembro de 2023

E MAIS UMA ILUSÃO DE EMPRESA GLOBAL QUE SE ESFUMOU …

 

                                                    (Dinheiro Vivo)

(Devo confessar que nunca compreendi muito bem o modelo de negócio da FARFETCH. Entendi que o projeto cavalgava a profunda desigualdade que grassa nas economias ocidentais mais avançadas, focando-se nas categorias de bens de luxo e oferecendo para isso uma plataforma eletrónica de grande dimensão para a sua oferta e disseminação. Mas o que nunca entendi era a dimensão dos resultados obtidos e o valor em bolsa da empresa, havia ali alguma coisa que não colava. As últimas notícias da insolvência da empresa de José Neves e a sua compra in extremis por um conglomerado coreano de comércio eletrónico, COUPANG de sua graça, parecem dar razão às minhas interrogações. Não faço a mínima ideia do que é que a venda in extremis, por algo em torno dos 500 milhões de dólares, significará para as atividades da FARFETCH em Portugal, designadamente para o mega projeto de concentração de serviços que o grupo se propunha concretizar na zona de Matosinhos – Leça do Balio, nas proximidades da via norte. Tratando-se do primeiro unicórnio português que virou empresa global, a morte na praia e a saída da bolsa de Nova Iorque vêm acrescentar ao cemitério das ilusões das empresas globais em Portugal mais um exemplo que terá os seus perdedores de estimação. E apetece dizer que talvez valha a pena considerar que, em matéria de empresas globais, talvez nos tenhamos exaurido com os Descobrimentos. )

 

Não vou entrar na velha questão de saber se o país tem ou não estratégia, tema que o Ricardo Paes Mamede abordava habilmente no Público de ontem. De facto, vivemos um período estranho. Nunca o país teve, por força das exigências dos Fundos Europeus, tantos referenciais estratégicos e basta lermos o Acordo de Parceria 2030 para compreendermos a infernália dos referenciais estratégicos disponíveis. Para mim, a existência de uma estratégia não se mede necessariamente pela existência de um referencial escrito, discutido e validado com pompa e circunstância. A estratégia é sobretudo a estabilidade e persistência de um padrão de decisão. E ela também se constrói pela evidência demonstrada das coisas que não dão certo e morrem compreensivelmente na praia, mesmo com vagas de pequena dimensão.

Em meu entender, temos aqui um exemplo de evidência demonstrada de algo em que não valerá a pena insistir – Portugal como sede de empresas globais, sejam elas provenientes de unicórnios leves e flexíveis, seja de grupos empresariais que aspiraram ter um protagonismo na globalização. Todos os projetos caíram, alguns deles de forma traumática para o país, arrastando-se pela justiça, ela própria incapaz de navegar no contexto das economias globais e da descontrolada circulação dos capitais.

Compreender que talvez nos tenhamos exaurido de vez na proeza dos Descobrimentos será uma ajuda poderosa para não insistir no erro. E assim também se constrói estratégia.

 

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