sexta-feira, 31 de maio de 2024

NA MORTE DE BERNARD PIVOT

(Nicolas Vadot, http://www.levif.be e J.-B. Maillard, https://x.com) 

Apercebi-me tardiamente do triste desaparecimento aos 89 anos de Bernard Pivot, um intelectual de mão-cheia que encheu grande parte das minhas Sextas-Feiras parisienses com os seus inigualáveis programas “Apostrophes” de análise literária (como já aqui referi em post datado de 16 de outubro de 2012) e dos quais guardo várias memórias inolvidáveis de episódios e momentos de qualidade e espessura absolutamente extraordinárias. 

(Jean-Paul Donnesse, https://br.pinterest.com e Jean Plantu, https://www.facebook.com)

UMA SAUDAÇÃO A PEDRO COELHO

Já vai no quarto episódio a divulgação do excelente trabalho de investigação do jornalista Pedro Coelho a partir da agenda de Ricardo Salgado (disponível na SIC ou em podcast). Trata-se de um documento essencial para a compreensão dos tempos em que “o dono disto tudo” exercia cirurgicamente a sua influência sobre o poder político nacional (e, a espaços, sobre poderes internacionalmente localizados) e procurava insinuar-se junto de poderes económicos periféricos relevantes. Não querendo fazer aqui grandes considerações específicas, sempre direi que ali surgem elementos capazes de nos ajudar a melhor apreender o sentido de alguns movimentos então observados, como seja o caso das quatro visitas de Sócrates à Líbia e das continuidades exploradas por Paulo Portas, ou alguns posicionamentos/aproximações de certos personagens maiores, como Durão Barroso e Eduardo Catroga (entre outros), ou menos notórios mas também protagonistas não negligenciáveis. Recomendo vivamente.

COR-DE-ROSA PARDACENTO

Às vezes gosto de deitar o rabo do olho sobre as capas das revistas cor-de-rosa que por aí pululam nas bancas como cogumelos. As manchetes correspondem quase sempre a matérias irrelevantes e frequentemente fofoqueiras até ao limite, tidas por ajudarem a entreter (palavra horrível no contexto, equivalente àquela comum mas desgraçada ideia de “passar o tempo”!) as pessoas. Hoje, deparei-me com a da “Nova Gente” e apercebi-me de que parecem grassar na sociedade portuguesa os infortúnios e a malapata: do acidente do presente namorado espanhol de Maria Cerqueira Gomes (com fotos da sua colhida por um touro) à proclamada sede de vingança de Luciana Abreu contra Djaló, da indescritível história de violência doméstica de José Castelo Branco sobre Betty Grafstein (95 anos) aos “anos de agonia” de Júlia Pinheiro por motivos menopáusicos. E assim vamos entretendo, leia-se alienando, a malta e adiando o País...

GUILTY

Nada tenho a comentar em relação à condenação de Donald Trump ontem decidida unanimemente por doze jurados relativamente a 34 acusações. A reação do réu foi disgusting, como lhe é próprio e habitual. Por muito que o veredito sobre a pena (a proferir a 11 de julho) venha a ser leve, o que não é de todo pacífico, a imagem do candidato sofre um duro revés e aumenta a esperança de que saiam frustradas as suas hipóteses de eleição a 5 de novembro – a bem dos EUA, da ordem internacional e da paz no mundo...

COACH BLUES

Os chamados “grandes” do futebol português têm andado em bolandas com os treinadores. Primeiro foi Ruben Amorim que se deixou encantar pela possibilidade de se transferir para a Premier League e decidiu dar uma fugida a Londres para ser entrevistado pelos responsáveis do West Ham, à época assustando Varandas ao pôr em risco a estabilidade de um plantel que estava a contas com os últimos e decisivos jogos da Liga Portugal (o que acabaria por ser ultrapassado com o seu arrependimento e a subsequente conquista do título). Depois foi Roger Schmidt a revelar-se surpreendentemente frágil ao comando da equipa do Benfica e, pior do que tudo, a abrir um contencioso com os adeptos, cujos protestos foram violentos e parecem estar longe de ultrapassados, apesar da decisão de Rui Costa no sentido de manter o técnico na próxima época. Foi, por fim, Sérgio Conceição a destruir a sua construída imagem de seriedade através de uma renovação de contrato com Pinto da Costa a dois dias das eleições no Clube e, seguidamente, a ziguezaguear como uma barata tonta em torno do seu futuro à frente do FC Porto, fazendo simultaneamente declarações provocatórias e até contraditórias em relação a um assunto cujos termos vai tentando confundir e cujo desenlace vai tentando protelar a todo o custo e em nome só Deus sabe de que crenças.
 
Estava eu no processo de encerrar este post quando uma notícia publicada no site do “Record” (e explorada pelo “Correio da Manhã” na sua rubrica “Liga D’Ouro”) caiu como uma bomba: a de que o sucessor de Sérgio Conceição (SC) no FC Porto poderá vir a ser o seu principal adjunto Vítor Bruno. Uma solução que, a ser concretizada, vai certamente fazer com que o mau perder de SC venha à tona sem qualquer preocupação relativamente aos estragos que possa provocar na agremiação que diz amar. Mas também uma solução lógica e totalmente coerente com o modo transparente como o novo Presidente se apresentou aos portistas. Imbróglio à vista ou uma página finalmente voltada?


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

quinta-feira, 30 de maio de 2024

POR FIM, ISTAMBUL

 

(Há longo tempo que tinha umas desculpas adiadas. Lá bem atrás, quando a guerra do Golfo estava ao rubro e tinha uma presença marcada na Conferência Anual da Regional Science Association, acagacei-me e a viagem a Istambul ficou marcada para uma outra altura, que chegou agora com um short break de cinco dias, pouca coisa descontando as viagens. Mas Istambul é daquelas cidades que se não visitarmos pelo menos uma vez, algo fica por preencher nas nossas vidas de compreensão do mundo.  Chegando a um aeroporto que cheira a novo, de grande dimensão, não me lembro de ter andado tanto num aeroporto para uma simples chegada. Na viagem para o hotel no velho Istambul não demora muito tempo a sentir-se a força fervilhante de uma cidade de 15 milhões de habitantes e, dizem-me, seis milhões de automóveis e muitas motas. Dir-me-ão os mais céticos, um inferno, mas se isto é o Inferno, terei de rever as minhas categorias apocalípticas. Nestes últimos tempos, sempre que viajamos para uma cidade de maior dimensão, ocorre-me ficar perante o dilema dos mais envelhecidos – resistir à viagem organizada ou optar por alguma aventura de opções próprias. Um bom indicador que temos da perceção do nosso envelhecimento é concluir que no fim de contas optamos sempre pela viagem organizada. Assim é e assim foi desta vez..)

Com o primeiro dia dedicado a calcorrear as joias da coroa da Cidade, Hagia Sofia (interessante como me recordei do excelente programa de Miguel Portas sobre a relação entre culturas e religiões), Mesquita Azul, a Grande Cisterna e o Grande Palácio do Sultão Topkapi e algumas olhadelas sobre o ambiente deslumbrante do Bósforo e da comunicação entre a Ásia e a Europa, ou seja, ainda sem as sensações do Grande Bazar e da ponte Galata, fervilhante é a palavra dominante nas minhas impressões.

Mesmo sem muito provavelmente não poder conhecer um bairro que seja da parte asiática de Istambul, chega-me para já o ambiente da histórica Istambul europeia, particularmente dos bairros que acolhem as já referidas joias da coroa da Cidade, para intuir a excecionalidade desta Cidade, presidida, não o esqueçamos, por um homem sobre o qual Erdogan gostaria de ter uma influência política mais decisiva, mas que não tem, olhando para as últimas eleições locais. Mesmo se descontarmos a diversidade que vem associada à forte atração turística que Istambul representa, a Cidade é uma cidade diversa, além de colocar questões cruciais do ponto de vista do investimento público na sua gestão quotidiana, com relevo particular para o transporte público.

Mas uns dos mistérios que continuam a intrigar-me em cidades com uma base cultural e social como a de Istambul é a sobrevivência do seu comércio mais menos tradicional, hoje largamente focado no mercado turístico. A oferta é tão variada e a magnitude é tal que me interrogo muitas vezes o que vende afinal aquela gente. Hoje, tendo iniciado bem cedo as atividades organizadas, reparei que praticamente todas as casas comerciais adjacentes ao hotel tinham grossas encomendas à porta dos estabelecimentos, provavelmente deixadas durante a noite para tirar partido das menores limitações de acesso ao centro histórico, Uma cultura de confiança domina todo o negócio. Quando os estabelecimentos abrem, a primeira tarefa consiste em desfazer as encomendas e refazer os stocks. Mas será que vendem cobrindo custos?

 

PROGRESSO SOCIAL COMPARADO NA EUROPA

 

Acaba de ser publicado pela DG REGIO da Comissão Europeia, com metodologia melhorada relativamente aos anteriores, o excelente documento “The EU regional Social Progress Index 2.0 – 2024 edition” (SPI). Entre vários outros méritos, este exaustivo trabalho elaborado em torno de uma bateria alargada de indicadores de toda a ordem relacionados com as diferentes dimensões ou componentes por que necessariamente se desdobra qualquer avaliação do nível e qualidade de vida de países ou regiões (veja-se o seu detalhado descritivo no quadro seguinte) acaba assim por se distinguir pelo facto de lograr trazer a público um indicador compósito que pode e deve ser analisado em estreita complementaridade com o indicador de riqueza relativa tradicional, o “maldito” PIB per capita à paridade de poder de compra.
 
Ou seja, e reportando-me especialmente ao caso português no contexto europeu: os dados provenientes deste SPI permitem reequilibrar as considerações menos otimistas relativas à falta de crescimento da economia portuguesa nas últimas décadas, com impacto na visível ultrapassagem de Portugal por variados países da Europa Central e Oriental em termos de PIBpc – de facto, e como evidencia o primeiro gráfico abaixo, o SPI nacional situa-nos no lugar 14 entre os 27, deixando atrás de nós países como a Espanha e a Itália, a Chéquia e a Polónia, a Hungria e a Eslováquia, para já não referir países mais distanciados como a Roménia (a economia que atualmente está a nosso par em matéria de PIBpc) e a Bulgária.
 
Paralelamente, o SPI regional (segundo gráfico mais abaixo) fornece igualmente informação de teor menos negativo para o lado nacional do que a que toma por base o efeito-crescimento: entre 236 regiões europeias avaliadas, as sete sub-regiões nacionais posicionam-se na parte superior da tabela – em 64º (Área Metropolitana de Lisboa) e em 115º (Norte) –, a meio da mesma – em 121º (Centro) e em 122º (Algarve) lugares, respetivamente –, ligeiramente abaixo – em 135º (Alentejo) – e na sua parte inferior mas não na cauda – em 163º (Madeira) e em 173º (Açores); sendo ainda de notar que todas sub-regiões do Continente obtêm um SPI superior ao da média europeia. O mapa que encerra este post permite ainda que se ponha em melhor perspetiva o atual ponto de situação que se observa no quadro da União Europeia.


(Construção própria a partir de https://ec.europa.eu/regional_policy)

(Construção própria a partir de https://ec.europa.eu/regional_policy)

(https://ec.europa.eu/regional_policy) 

Consciente de que a informação que selecionei mais não constitui do que um aperitivo em relação às imensas pistas de aprofundamento que os dados do novo SPI viabilizam, prometo que tentarei voltar ao assunto em próxima oportunidade.

quarta-feira, 29 de maio de 2024

VOTAR EM QUEM?

 

Em quem vou eu votar nas Europeias de 9 de junho? Esta deve ser a dúvida mais do que metódica que atravessa a mente dos portugueses que ainda se interessam pela atividade política e que se irão disponibilizar para deixarem uma cruz no boletim de voto que lhes vai ser apresentado. E olhando para os oito candidatos mais representativos (veja-os acima), a razão de ser associada a essa dúvida parece-me mais do que pertinente. Pessoalmente, já tinha decidido afastar-me da questão por manifesta improcedência da mesma, mas lá fiz o sacrifício de assistir esta noite ao seu debate conjunto na RTP3 na esperança de alguma evolução inesperada – não, de todo, visto que cada um dos oito esteve péssimo à sua maneira, embora obviamente sempre haja que distinguir entre prestações deficientes (Temido e Bugalho), prestações doutrinárias (Cotrim), prestações deslocadas (Catarina e Oliveira), prestações líricas (Paupério e Fidalgo) e prestações simplesmente ridículas (Tânger).
 
Outras hipóteses de escolha, os chamados partidos pequenos, caem nas mesmas tipologias, com tendência para oscilarem preferencialmente entre o deslocado e o lírico mas com doses maiores de ignorância. Mas claro que temos ainda a possibilidade de optar pelo ADN (ex-PDR), liderado por Bruno Fialho, capturado pela comunidade evangélica brasileira e tendo por cabeça-de-lista a indescritível e excessiva Joana Amaral Dias, uma personagem a quem alguns poderiam não regatear apoio para assim alcançarem o prazer maior de a afastarem dos ecrãs televisivos nacionais onde, de forma desconforme e exaltada, tem nestes anos interpretado a seu bel-prazer posições desencontradas ou contraditórias. Senhor me perdoe, caro leitor!

Não quero terminar, todavia, sem uma menção direta a Sebastião Bugalho. Um rapaz que, independentemente do respetivo conteúdo concreto, era um comentador a quem eu achava alguma graça pela sua atitude profissional, esforçada e trabalhadora, contrastando com a da larga maioria dos seus colegas e concorrentes. O certo é que a mudança de registo, resultante de uma opção pela atividade política, transformou Bugalho num ser que me passou a irritar solenemente – não pelas opções políticas a que se vinculou mas sim por tudo quanto ele revela a olho nu de artificialidade, de arrogância e superioridade mal disfarçadas de simpatia e simplicidade, de novo-rico da política; mesmo sendo notório que Bugalho goza do beneplácito dos seus ex-companheiros, não estou em crer que a sua expressão comportamental e a sua visível imaturidade consigam convencer os experimentados votantes portugueses.

(António Gaspar, https://www.facebook.com)

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

terça-feira, 28 de maio de 2024

INCONFORMISMO DIPLOMÁTICO

 

(Todos os cidadãos bem-intencionados tenderão a pensar que, qualquer que seja o governo que esteja em funções neste momento, a Espanha, a Irlanda e a Noruega são países de inequívoca constituição democrática e que, por isso, dificilmente poderão ser apontados a dedo como fatores latentes ou abertos de instabilidade mundial. Ora, estes três países decidiram reconhecer o Estado da Palestina, abrindo-se por isso a representações diplomáticas sob a forma de embaixada, por mais problemática que seja por esta altura a sobrevivência do povo palestiniano, seja por força da loucura do Hamas, seja pela fúria de vingança assassina de Israel. Como seria de prever, sobretudo em Espanha, sobretudo porque o meu raio de ação informativa não chega nem à Irlanda, nem à Noruega, a corte de pensadores do PP veio zurzir na decisão de Sánchez, apontando-lhe o estigma da mera tática política para agradar aos seus aguerridos e problemáticos colegas de coligação parlamentar. Na minha interpretação, os três países quiseram, e estão plenamente no seu direito, fundamentalmente expressar o seu inconformismo diplomático e mostrar uma linha de total desaprovação ao comportamento isolacionista de Israel, contra todas as boas normas da contenção de resposta em ambiente de guerra e agressão. Por mais reservas que as virgens ofendidas da diplomacia possam invocar, e neste âmbito o ministro Paulo Rangel, o homem está velho e cansado, é um prodígio de flores de estilo, em meu entender é de inconformismo diplomático que se trata e do legítimo direito de o expressar contra o atavismo, a resignação e a veneração a Israel. Existe uma instituição de direito internacional, que se chama Tribunal Penal Internacional que não confundiu o anti-semitismo com a acusação a Nethanyahu e o acusou para julgamento.)

Claro que a senhora Ursula von der Leyen confunde cada vez mais os interesses alemães com os da Europa, perdida e amedrontada no labirinto do interesse da sua própria reeleição, namoriscando a extrema-direita, sobretudo a italiana, onde de repente Meloni emerge como a grande estadista vinda dos mundos profundos do “mussolinismo”, onde certamente terá aprendido muito. De inconformismo diplomático é que a União Europeia não pode ser seguramente acusada, porque tantos são os interesses que têm de ser combinados que se anulam e conduzem ao imobilismo, esperando que os outros se mexam para dar a ideia de que a Europa também se mexe. Nestes meandros, um político como Borrel merecia mais para concluir a sua passagem pela vida política.

Dir-me-ão os céticos que a decisão de Espanha, Irlanda e Noruega vai ser apenas isso – simples inconformismo diplomático, que se quedará por aí, sem resultados palpáveis em termos de resolução do conflito e de assegurar um futuro de paz ao povo palestiniano. Sim, pode ser que seja. Mas se fosse cidadão espanhol, irlandês ou norueguês estaria satisfeito com a expressão deste inconformismo. Como sou português, tenho de atirar para trás das costas os malabarismos estilísticos de Paulo Rangel, já que Montenegro nem disso será capaz.

E, para desanuviar, uns curtos dias em Istambul dar-me-ão um outro olhar sobre tudo isto, que bem preciso.