(Já há algum tempo que o tema do Euro não surgia tratado
neste espaço. Mas quando um economista como Barry Eichengreen disserta sobre o
tema, é altura de quebrar o interregno. A mensagem do economista americano é singela: o
euro veio para ficar mas as falhas de conceção tenderão a atormentar-nos à
medida que cada borrasca se anuncia)
Barry Eichengreen (Universidade de Berkeley) é um economista a quem dedico
toda a atenção disponível. A justificação prende-se sobretudo com a consistência
do seu pensamento, em que história e teoria económica se combinam virtuosamente.
“History matters” é um critério para
mim decisivo para separar as águas e eu sigo decididamente aquelas que nunca
perdem de vista a contextualização histórica da política económica e da evolução
da economia mundial, seja do ponto de vista monetário, seja do da produção e da
sua organização.
O seu artigo no THE CONVERSATION (“The euro at 20:
An enduring success but a fundamental failure”) (link aqui) é uma
excelente peça sobre o tema da solidez do euro, vinte anos depois da sua criação
e, não o esqueçamos, a criação do euro representou a transformação monetária
mais importante da história.
Eichengreen mostra como a concretização do projeto foi o resultado da convergência
de esforços entre François Mitterrand e Helmut Kohl que entenderam na altura
que o euro constituiria uma pressão indireta decisiva para que a integração política
desse na Europa passos mais corajosos e profundos. Essa pressão seria exercida
pela exigência de legitimidade política para assegurar avanços como a União
Bancária, a integração do sistema fiscal e a transferência automática de
recursos para os países em dificuldades e essa legitimidade seria alcançada por
via do reforço de entidades legislativas de âmbito europeu como o Parlamento Europeu.
O problema é que, ao contrário do progressismo de Mitterrand e Kohl, os
seus sucessores deixaram-se encantar pela sereia de que a cedência de soberania
nacional é para rejeitar, representada nas tendências do eleitorado mais ativo.
Acontece assim uma espécie de inversão total do esquema virtuoso da pressão
indireta. A união bancária, a integração fiscal e a transferência automática de
recursos para os países em dificuldades que deveriam induzir o desejo de uma
maior integração política ficaram, pelo contrário bloqueadas, pelos receios de
perda de soberania política para lá das cedências já concretizadas. Ou seja, a própria
união monetária fica na posição difícil do meio do court, vulnerável quanto baste a perturbações com algum significado
conjuntural e refém dos que pretendem avançar e também dos que pretendem recuar
e inverter o processo de devolução de soberania para as instâncias europeias. Dirão
pessoas como Pacheco Pereira que isso é o resultado de um processo construído à
margem dos eleitorados nacionais. Dirão outros, conjunto em que me incluo, que isso
é o resultado do debilitamento das elites e lideranças políticas, já que só um
ingénuo poderia admitir que um projeto desta envergadura de transformação
poderia dispensar a liderança política de gente com capacidade visionária do
futuro.
Eichengreen analisa meticulosamente a armadilha em que o projeto do euro
está mergulhado. Todos os criticam, sobretudo e com razão aqueles que o
associam a um mecanismo de deflação e de depressão, ditado sobretudo pela ausência
daqueles três princípios de realização da união monetária atrás mencionados. Mas
o que acontece é que praticamente todos os que o criticam sabem que abandonar o
projeto tem o sério risco de ser bem mais penoso do que aguentar as imperfeições
do seu fabrico. E, por isso, neste contexto de armadilha na estagnação e sem
passos decisivos para o seu avanço (veja-se as últimas decisões do Conselho antes
das Festas que passaram praticamente despercebidas na opinião pública), a ocorrência
de danos profundos numa futura perturbação macroeconómica seja ela produzida por
que fator é a ocorrência mais provável que o futuro próximo nos reserva. A única
interrogação que resta esclarecer segundo Eichengreen é se os danos que serão
infligidos serão ou não suficientes para finalmente determinar alguns avanços
mais significativos do que caminhada de tartaruga ou do tipo “alguma coisa terá
de mudar para poder ficar tudo na mesma”.
Entretanto, na frente política, a New Yorker publicou na sua edição diária on line um poderoso artigo de Elizabeth
Serofsky sobre as pretensões de Viktor Orbán a ter uma palavra a dizer na União
Europeia (link aqui), o que não anuncia nada de positivo e que merecerá análise
no próximo post.
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