segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

A SOLIDEZ DO EURO VISTA POR EICHENGREEN



(Já há algum tempo que o tema do Euro não surgia tratado neste espaço. Mas quando um economista como Barry Eichengreen disserta sobre o tema, é altura de quebrar o interregno. A mensagem do economista americano é singela: o euro veio para ficar mas as falhas de conceção tenderão a atormentar-nos à medida que cada borrasca se anuncia)

Barry Eichengreen (Universidade de Berkeley) é um economista a quem dedico toda a atenção disponível. A justificação prende-se sobretudo com a consistência do seu pensamento, em que história e teoria económica se combinam virtuosamente. “History matters” é um critério para mim decisivo para separar as águas e eu sigo decididamente aquelas que nunca perdem de vista a contextualização histórica da política económica e da evolução da economia mundial, seja do ponto de vista monetário, seja do da produção e da sua organização.

O seu artigo no THE CONVERSATION (“The euro at 20: An enduring success but a fundamental failure”) (link aqui) é uma excelente peça sobre o tema da solidez do euro, vinte anos depois da sua criação e, não o esqueçamos, a criação do euro representou a transformação monetária mais importante da história.

Eichengreen mostra como a concretização do projeto foi o resultado da convergência de esforços entre François Mitterrand e Helmut Kohl que entenderam na altura que o euro constituiria uma pressão indireta decisiva para que a integração política desse na Europa passos mais corajosos e profundos. Essa pressão seria exercida pela exigência de legitimidade política para assegurar avanços como a União Bancária, a integração do sistema fiscal e a transferência automática de recursos para os países em dificuldades e essa legitimidade seria alcançada por via do reforço de entidades legislativas de âmbito europeu como o Parlamento Europeu.

O problema é que, ao contrário do progressismo de Mitterrand e Kohl, os seus sucessores deixaram-se encantar pela sereia de que a cedência de soberania nacional é para rejeitar, representada nas tendências do eleitorado mais ativo. Acontece assim uma espécie de inversão total do esquema virtuoso da pressão indireta. A união bancária, a integração fiscal e a transferência automática de recursos para os países em dificuldades que deveriam induzir o desejo de uma maior integração política ficaram, pelo contrário bloqueadas, pelos receios de perda de soberania política para lá das cedências já concretizadas. Ou seja, a própria união monetária fica na posição difícil do meio do court, vulnerável quanto baste a perturbações com algum significado conjuntural e refém dos que pretendem avançar e também dos que pretendem recuar e inverter o processo de devolução de soberania para as instâncias europeias. Dirão pessoas como Pacheco Pereira que isso é o resultado de um processo construído à margem dos eleitorados nacionais. Dirão outros, conjunto em que me incluo, que isso é o resultado do debilitamento das elites e lideranças políticas, já que só um ingénuo poderia admitir que um projeto desta envergadura de transformação poderia dispensar a liderança política de gente com capacidade visionária do futuro.

Eichengreen analisa meticulosamente a armadilha em que o projeto do euro está mergulhado. Todos os criticam, sobretudo e com razão aqueles que o associam a um mecanismo de deflação e de depressão, ditado sobretudo pela ausência daqueles três princípios de realização da união monetária atrás mencionados. Mas o que acontece é que praticamente todos os que o criticam sabem que abandonar o projeto tem o sério risco de ser bem mais penoso do que aguentar as imperfeições do seu fabrico. E, por isso, neste contexto de armadilha na estagnação e sem passos decisivos para o seu avanço (veja-se as últimas decisões do Conselho antes das Festas que passaram praticamente despercebidas na opinião pública), a ocorrência de danos profundos numa futura perturbação macroeconómica seja ela produzida por que fator é a ocorrência mais provável que o futuro próximo nos reserva. A única interrogação que resta esclarecer segundo Eichengreen é se os danos que serão infligidos serão ou não suficientes para finalmente determinar alguns avanços mais significativos do que caminhada de tartaruga ou do tipo “alguma coisa terá de mudar para poder ficar tudo na mesma”.

Entretanto, na frente política, a New Yorker publicou na sua edição diária on line um poderoso artigo de Elizabeth Serofsky sobre as pretensões de Viktor Orbán a ter uma palavra a dizer na União Europeia (link aqui), o que não anuncia nada de positivo e que merecerá análise no próximo post.

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