terça-feira, 22 de janeiro de 2019

AINDA SOBRE OS MEDIA



(Gillian Tett, com a sua habitual pertinência, analisa o fogo cruzado em que o jornalismo de hoje foi apanhado, entre as frentes da revolução tecnológica, particularmente da internet, e do populismo (fake news). E o que merece destaque são alguns sinais promissores de adaptação positiva, vejamos quais.)

A antecipação dos efeitos societais de algumas transformações tecnológicas está cheia de histórias que são tudo menos preto e branco, ou seja, acabam por revelar-se mais “fuzzy” (nebulosas e indefinidas) do que era previsto, com mais ou menos tremendismo na avaliação inicial. Vejam, por exemplo, o diferente panorama de desaparecimento de produtos como os já saudosos “walkman” (cuja descoberta pela SONY deu origem a sugestiva literatura sobre a criatividade tecnológica) e os discos em vynil, para não dizer o próprio CD em formato normal. Sabe-se lá porquê enquanto os “walkman” aparentemente não deram origem a nenhuma seita revivalista, o vynil parece ter encontrado alguma resiliência. Não estou a falar de números, pois se os tivéssemos à mão talvez concluíssemos que uma coisa são traços impressivos (e muitas vezes afetivos), outra bem diferente é a realidade nua e crua dos volumes de negócios. Mas o que podemos dizer é que nestes casos em que não há aparentemente nenhum fator de regulação política ou administrativa a condicionar a escolha da tecnologia, o comportamento dos consumidores é por vezes rebelde e foge à tendência das antecipações. Já no caso, por exemplo, da corrida-confronto entre os motores diesel e motores mais amigáveis em termos de descarbonização da economia, a duração e o resultado da corrida serão fortemente tributários de decisões políticas que poderão precipitar ou não o fim dos diesel.

Vem tudo a propósito das antecipações que têm surgido sobre o futuro do jornalismo, que é um caso particular de atividade que está hoje sujeita aos efeitos da revolução tecnológica, com o espectro dos jornais em papel poderem desaparecer (tenho comprado a edição em papel do Diário de Notícias agora ao sábado como uma espécie de ato cívico para evitar um futuro saudosismo), mas também da dimensão mais inesperada do populismo que é proporcionada pelas notícias falsas propagadas nas redes sociais para enganar papalvo. É sobre esta questão que a sempre perspicaz Gillian Tett escreve no Financial Times (link aqui) e, como costumo dizer, quando Gillian escreve algo de robusto aparece.

Tomando a realidade americana como evidência, a jornalista do FT reconhece que, em matéria de revolução tecnológica, apesar da estratégia de foco nas assinaturas on line, num período de quase trinta anos a circulação de jornais terá descido para metade, estando hoje em torno dos 30 milhões de exemplares. Há registos de que, nos últimos 10 anos, essa dinâmica de perda tenha destruído cerca de 30.000 postos de trabalho.

Mas a matéria mais interessante do artigo é a que respeita aos efeitos da onda populista das notícias falsas. Gillian Tett utiliza para o analisar um indicador de confiança nos media tradicionais. Apoiando-se em estudos de opinião realizados por um grupo de relações públicas, EDELMAN, Tett mostra que, nos anos mais recentes, após uma relativa estabilidade no imediatamente após crise de 2008, as redes sociais e os media corporativos aumentaram os seus níveis de confiança por parte dos leitores, penalizando o jornalismo tradicional. Haverá aqui, porventura, alguma influência maligna do estilo Trump, claramente demonizador dos media tradicionais. Porém, os últimos dados disponíveis daquela fonte evidenciam alguma mudança com o nível de confiança nos jornais tradicionais a alimentar para os 65% dos americanos e a desconfiança (melhor dizendo preocupação com a falsidade) nas redes sociais aumentou para 73%. Embora continue a haver uma forte segmentação entre Democratas e Republicanos, a verdade é que a evolução das assinaturas on line de gigantes como o New York Times, o Washington Post, o Wall Street Journal e o Financial Times foi significativa, parecendo validar o mencionado estudo de opinião.

O problema é que o fogo é cruzado e provém de duas frentes. Não deixa de ser curioso que a adaptação à ameaça tecnológica sobre o papel (combinada com o apelo cívico) parece funcionar como prova de resistência contra os efeitos do populismo. De mal o menos, mas como Gillian Tett o afirma, o fogo vai permanecer ativo e cruzado durante muito mais tempo.

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