segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

O RELATÓRIO... AND BEYOND


Pedro Adão e Silva (PAS) é, entre outras coisas provavelmente bem mais assinaláveis, um comentador atento da realidade política portuguesa. Nem sempre tenho oportunidade de o ouvir, nomeadamente no espaço “Bloco Central” que anima a três na TSF. No último Sábado, uma deslocação ao Alto Minho levou-me a estar no sítio certo à hora certa, com PAS a referir-se à questão da auditoria à Caixa Geral de Depósitos nos lapidares termos de senso comum que me limito a citar (de forma editada, i.e., com alguns cortes) para eventual reflexão e governo dos nossos leitores mais interessados na matéria.

Se isto tem alguma racionalidade, algum sentido? Eu acho que até tem, porque se as coisas estão a ser investigadas pelo Ministério Público, e o Banco de Portugal também a agir, faz sentido que haja alguma reserva. Mas é natural, e se calhar até desejável, que as pessoas se indignem e não percebam o sentido de tudo isto. Porquê? Porque não há nada e particularmente novo aqui (...), mas há uma espécie de retrato do País, quer dizer, nós ficamos a perceber várias coisas, sintetizadas no caso da Caixa, sobre o País. A primeira é exatamente esta espécie de transumância de pessoas que vão da política para a banca, da banca para a política, da política para os grandes grupos económicos e como tudo sito colapsou; porque é sempre disso que estamos a falar, é do colapso de grandes grupos económicos, dos bancos – que só não colapsaram porque foram resgatados – e de certa forma também um colapso da política, que se prende também com a incapacidade regulatória e que, para lá do efeito e dos custos financeiros que tem – e tendemos a falar mais disso –, eu acho que o principal custo de tudo isto é mesmo um custo moral, é a corrosão moral, isto corrói moralmente a sociedade e, quando as pessoas não percebem o sentido é porque perderam essa referência ética e moral que se pretende.
Agora, há uma coisa que eu não gosto quando discutimos estes relatórios e estes montantes porque eu não sei de que é que estamos a falar. Não só não sei porque andamos aqui dias a discutir um relatório que era preliminar, mas não sei porque – tu, aliás, anunciaste o montante global das imparidades – essas imparidades nos dizem muito pouco. E um dos problemas nesta discussão é que nós precisamos de saber alguma coisa sobre as imparidades, porque a banca tem riscos e a concessão de crédito tem riscos. E quando nós olhamos para essas imparidades temos, pelo menos, quatro coisas – que são: bons investimentos com risco, bons investimentos que a crise tornou maus, erros de avaliação que existem em qualquer atividade (e que não é crime, pode haver um erro – quem faz a avaliação de crédito ter-se enganado, mas isso tem punições, as pessoas não poderem progredir ou ser premiadas, mas não é um crime, todos nós nos enganamos) e, finalmente, duas coisas, essas sim que são muito preocupantes, o facilitismo na concessão de crédito – aquela ideia do crédito que é verde-código-verde – ou, pior ainda, crédito que foi concedido contra as indicações dos serviços, nomeadamente aqueles serviços nos bancos que avaliam o crédito. Ora, quando olhamos para essas imparidades, eu gostava de perceber qual é a parte dessas imparidades que se relaciona com o facilitismo, más práticas ou conluio e eu não sei. Não consigo fazer juízos definitivos sobre esse montante nem sobre essas entidades porque pura e simplesmente não sei. Houve investimentos que se revelaram ruinosas por força da crise, e que eram bons investimentos. (...) Nós andamos sempre a falar de montantes globais, de listagens de entidades, de listagens de empresas, fica tudo dentro do mesmo saco. A consequência de estar tudo no mesmo saco é estarmos a desvalorizar e a tomar tudo como igual. (...) É um exercício contraproducente e que fragiliza a Caixa para a frente. Em lugar de estarmos a falar indistintamente de 50 administradores ao longo desses 15 anos, focarmo-nos naqueles que têm responsabilidades.
Ao tomarmos tudo como igual, isso tem desde logo uma consequência que, na verdade, é aquilo que me preocupa ainda mais: como é que nós mantemos a Caixa com músculo e um banco público. (...) E eu pergunto-me: não deve um grande banco e um banco público ter políticas menos restritivas de crédito, e até políticas contra cíclicas? (...) Noutros países, não ter um banco público pode não ser um problema porque há capital nacional, nós se não tivermos um banco público não temos um banco português grande, é tão simples quanto isso.

(...) Há uma coisa que eu acho mesmo que é um risco. Devo dizer que este é um daqueles casos em que o Ministério Público tem de investigar; em vez de abrir inquéritos sobre coisas que não interessam ao Menino Jesus, aqui tem de investigar; investigar significa também poder arquivar, mas tem de dizer qualquer coisa, porque é a única forma de clarificar se há atos criminosos ou não. Porque nem tudo o que corre na finança ou na banca é criminoso. (...) E o Banco de Portugal tem de fazer um exercício semelhante, reputacional, dizendo: o fulano A, B, C, D não pode continuar a exercer funções na banca.

(...) Acima de tudo, espero que este processo sirva para termos um modelo de 'governance' mais exigente do que aqueles que fomos tendo ao longo dos anos, que a concessão de crédito e a política de crédito tenha procedimentos completamente distintos do que aqueles que aparentemente teve durante esta época e, acima de tudo, que não se torne isto uma questão partidária, porque isso é desfazer ativos. (...) É tão fácil ser popular, falando do regabofe da Caixa, da vergonha que é, não sei quê, e com isto estamos a destruir valor e eu estou cansado do País que nas últimas duas décadas destruiu valor na PT, na Cimpor, no GES, no BES, na Caixa, na EDP e podemos ir por aí fora. Estivemos sempre a destruir valor e é bom que saibamos parar de destruir valor.

Horas mais tarde, quando lia o “Expresso” do dia, apercebi-me de que Manuela Ferreira Leite apontava na mesma direção (ver excerto abaixo). Quando será que os políticos mais assanhados deste País tentam perceber a realidade que os envolve, deixando de lançar atoardas pessoais e institucionais para a esfera pública em condições fáceis de alguns meios de comunicação social as agarrarem e transformarem em resíduos maledicentes e de elevada perigosidade?

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