(Todas as tendências apontam para que os cenários eleitorais em Espanha
produzam geringonças de direita na governação, apesar de vitórias de Pirro à
esquerda. Pedro Sánchez perseguia a
sua própria geringonça à esquerda, mas parece que, por falta de arte ou por
razões mais estruturais, terá de haver-se com o seu contrário.)
O meu colega de blogue já oportunamente o sinalizou. A política em Espanha
evoluiu a uma velocidade vertiginosa desde que Rajoy rumou a sul ao seu velho
emprego no registo predial, aguardando uma transferência para Madrid e não
esquecendo a sua Galiza, ou seja ansiando pelas suas férias de verão e pelos
almoços no Clube Náutico ou em sítios mais recatados, entre amigos.
À esquerda, o PSOE tem-se espatifado na sua louvável tentativa de suster a
deriva catalã. O catalanismo, movimento cultural e identitário de grande
expressão que sempre considerei, foi arrasado pelo independentismo mais radical
e menos confiável, arruinando quaisquer perspetivas de negociação com boa-fé. A
dificuldade do processo e alguns tiros no pé de um governo que prometeu muito e
gere uma manta muito curta têm mantido o PSOE na frente das intenções de voto
mas incapaz de gerar uma frente de maioria para governar de modo estável.
Quanto ao PODEMOS, estranhamente a partir do que poderíamos designar pelo
seu efeito ROBLES, em alusão ao episódio da vivenda chalet de Pablo Iglésias e sua mulher, também deputada, entrou numa
deriva que aponta para a desagregação, salvo se algum cimento cola de última
hora emergir. Em comparação com a inorganicidade do PODEMOS, o Bloco é por cá
um partido organizadíssimo, apesar da palavra fácil e irrefletida de alguns dos
seus membros e assessores e da sua reação pavloviana aos temas fraturantes. Os
movimentos MAREA que o PODEMOS apoiou por toda a Espanha municipal já viveram
melhores dias (veja-se a confusão em alguns municípios galegos), revelaram-se
bastante impreparados para a governação e nos últimos tempos a rotura entre
Iglésias e Errejón, que zarpou para uma cooperação com Carmena e o seu
movimento em Madrid, marca o tom da potencial desagregação.
Para além do PSOE e PODEMOS, tudo o mais à esquerda ou é independentismo
potencial (embora nos levasse a grandes discussões saber se o independentismo é
de esquerda) ou Izquierda Unida hoje bastante residual. É verdade que houve a
novidade (link aqui) da coligação para as próximas Europeias entre o Bloco Nacionalista
Galego (cuja força política se reduziu fortemente), o Bildu do País Basco e a
Esquerra Republicana da Catalunha, que pretende trazer para o plano europeu a
questão das Nações sem Estado. Mas a possibilidade de uma geringonça à
portuguesa parece inviável como as últimas iterações o têm demonstrado.
À direita, o tempo mais recente é de profunda aceleração. O VOX hibernou no
PP durante algum tempo e saiu da casca a partir das eleições da Andaluzia. A
Espanha ultraconservadora, reacionária nos costumes e na política,
profundamente centralista e com a guerra civil à cabeceira dos seus pensamentos
nunca desapareceu. Limitou-se a hibernar e, o que é mais estranho, não vive
apenas de memórias. Parece ter um eleitorado em rejuvenescimento. O PP, por sua
vez, regressou ao contacto com o bigode bafiento de Aznar, com o efeito Casado
a varrer o efeito Santamaría para a irrelevância política. O PP parece neste
momento ensanduichado entre dar uma resposta aos apelos de modernidade não
corrupta do CIUDADANOS e cavalgar os temas do VOX, o que não augura grandes
coisas para o futuro do PP e provavelmente conduzirá os espanhóis mais
conservadores a concluir que Rajoy era, afinal, um grande líder. O CIUDADANOS
parece ter padecido do síndrome de Fernando Mamede. Cortou-se quando o poder
estava próximo, tremeu quando tinha de ser firme. Mas o que importa sublinhar é
que, apesar de todas as contradições na frente PP-CIUDADANOS-VOX, tão estável
quanto as barragens brasileiras, a probabilidade de uma geringonça à direita é
mais elevada do que à esquerda.
Assim, o evidenciam as projeções eleitorais para Madrid, onde a presidente
Carmena ganhará provavelmente eleições, mas sem impedir (mesmo com um eventual
entendimento à esquerda com PSOE e PODEMOS) a formação de uma maioria de
direita como na Andaluzia, neste caso governada pelo CIUDADANOS. Não custa
muito admitir que algo de similar pode acontecer a nível nacional, embora neste
caso com a interrogação do peso dos independentismos. Imagina-se como a nossa
azougada e pia Cristas olhará para o país vizinho, enquanto vai irritando o
primeiro-Ministro, à procura de uma geringonça à sua maneira. O confronto entre
geringonças nos países vizinhos é sinal dos tempos e da profunda instabilidade.
Mas o sistema político português parece revelar um maior potencial de
flexibilidade. Na verdade, por mais que o PS invista na maioria de esquerda
(por exemplo na saúde), é sempre possível uma aproximação PS-PSD, apadrinhada
ou não por Marcelo dos camiões e dos afetos. Ora, em Espanha, nem o Rei é
Marcelo, nem parece verossímil uma aproximação PSOE-PP, pelo menos com
Casado/Aznar. A aproximação PSOE-CIUDADANOS já foi possível, mas a dinâmica dos
acontecimentos tornou-a a meu ver inviável. Em Espanha, haverá, por isso, uma
polarização potencial entre geringonças, já que a polarização PSOE-PP parece
pertencer à história.
Espaço, por conseguinte, para uma observação de política comparada, à qual
estaremos atentos, como sempre.
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