terça-feira, 29 de janeiro de 2019

O NOVO PARADIGMA POLÍTICO EM ESPANHA



(Todas as tendências apontam para que os cenários eleitorais em Espanha produzam geringonças de direita na governação, apesar de vitórias de Pirro à esquerda. Pedro Sánchez perseguia a sua própria geringonça à esquerda, mas parece que, por falta de arte ou por razões mais estruturais, terá de haver-se com o seu contrário.)

O meu colega de blogue já oportunamente o sinalizou. A política em Espanha evoluiu a uma velocidade vertiginosa desde que Rajoy rumou a sul ao seu velho emprego no registo predial, aguardando uma transferência para Madrid e não esquecendo a sua Galiza, ou seja ansiando pelas suas férias de verão e pelos almoços no Clube Náutico ou em sítios mais recatados, entre amigos.

À esquerda, o PSOE tem-se espatifado na sua louvável tentativa de suster a deriva catalã. O catalanismo, movimento cultural e identitário de grande expressão que sempre considerei, foi arrasado pelo independentismo mais radical e menos confiável, arruinando quaisquer perspetivas de negociação com boa-fé. A dificuldade do processo e alguns tiros no pé de um governo que prometeu muito e gere uma manta muito curta têm mantido o PSOE na frente das intenções de voto mas incapaz de gerar uma frente de maioria para governar de modo estável.

Quanto ao PODEMOS, estranhamente a partir do que poderíamos designar pelo seu efeito ROBLES, em alusão ao episódio da vivenda chalet de Pablo Iglésias e sua mulher, também deputada, entrou numa deriva que aponta para a desagregação, salvo se algum cimento cola de última hora emergir. Em comparação com a inorganicidade do PODEMOS, o Bloco é por cá um partido organizadíssimo, apesar da palavra fácil e irrefletida de alguns dos seus membros e assessores e da sua reação pavloviana aos temas fraturantes. Os movimentos MAREA que o PODEMOS apoiou por toda a Espanha municipal já viveram melhores dias (veja-se a confusão em alguns municípios galegos), revelaram-se bastante impreparados para a governação e nos últimos tempos a rotura entre Iglésias e Errejón, que zarpou para uma cooperação com Carmena e o seu movimento em Madrid, marca o tom da potencial desagregação.

Para além do PSOE e PODEMOS, tudo o mais à esquerda ou é independentismo potencial (embora nos levasse a grandes discussões saber se o independentismo é de esquerda) ou Izquierda Unida hoje bastante residual. É verdade que houve a novidade (link aqui) da coligação para as próximas Europeias entre o Bloco Nacionalista Galego (cuja força política se reduziu fortemente), o Bildu do País Basco e a Esquerra Republicana da Catalunha, que pretende trazer para o plano europeu a questão das Nações sem Estado. Mas a possibilidade de uma geringonça à portuguesa parece inviável como as últimas iterações o têm demonstrado.

À direita, o tempo mais recente é de profunda aceleração. O VOX hibernou no PP durante algum tempo e saiu da casca a partir das eleições da Andaluzia. A Espanha ultraconservadora, reacionária nos costumes e na política, profundamente centralista e com a guerra civil à cabeceira dos seus pensamentos nunca desapareceu. Limitou-se a hibernar e, o que é mais estranho, não vive apenas de memórias. Parece ter um eleitorado em rejuvenescimento. O PP, por sua vez, regressou ao contacto com o bigode bafiento de Aznar, com o efeito Casado a varrer o efeito Santamaría para a irrelevância política. O PP parece neste momento ensanduichado entre dar uma resposta aos apelos de modernidade não corrupta do CIUDADANOS e cavalgar os temas do VOX, o que não augura grandes coisas para o futuro do PP e provavelmente conduzirá os espanhóis mais conservadores a concluir que Rajoy era, afinal, um grande líder. O CIUDADANOS parece ter padecido do síndrome de Fernando Mamede. Cortou-se quando o poder estava próximo, tremeu quando tinha de ser firme. Mas o que importa sublinhar é que, apesar de todas as contradições na frente PP-CIUDADANOS-VOX, tão estável quanto as barragens brasileiras, a probabilidade de uma geringonça à direita é mais elevada do que à esquerda.

Assim, o evidenciam as projeções eleitorais para Madrid, onde a presidente Carmena ganhará provavelmente eleições, mas sem impedir (mesmo com um eventual entendimento à esquerda com PSOE e PODEMOS) a formação de uma maioria de direita como na Andaluzia, neste caso governada pelo CIUDADANOS. Não custa muito admitir que algo de similar pode acontecer a nível nacional, embora neste caso com a interrogação do peso dos independentismos. Imagina-se como a nossa azougada e pia Cristas olhará para o país vizinho, enquanto vai irritando o primeiro-Ministro, à procura de uma geringonça à sua maneira. O confronto entre geringonças nos países vizinhos é sinal dos tempos e da profunda instabilidade. Mas o sistema político português parece revelar um maior potencial de flexibilidade. Na verdade, por mais que o PS invista na maioria de esquerda (por exemplo na saúde), é sempre possível uma aproximação PS-PSD, apadrinhada ou não por Marcelo dos camiões e dos afetos. Ora, em Espanha, nem o Rei é Marcelo, nem parece verossímil uma aproximação PSOE-PP, pelo menos com Casado/Aznar. A aproximação PSOE-CIUDADANOS já foi possível, mas a dinâmica dos acontecimentos tornou-a a meu ver inviável. Em Espanha, haverá, por isso, uma polarização potencial entre geringonças, já que a polarização PSOE-PP parece pertencer à história.

Espaço, por conseguinte, para uma observação de política comparada, à qual estaremos atentos, como sempre.

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