(A história da esquerda está cheia de questões não resolvidas, algumas das
quais perduram misteriosamente e alimentam as memórias mais diversas. O modo
como Rosa Luxemburgo e o seu companheiro de longa data Karl Liebknecht foram
assassinados na noite de 15 de janeiro de 1919, com participação no
acontecimento do governo do social-democrata Friedrich Ebert, é um desses
acontecimentos fraturantes de longo alcance. Cerca de 20.000 pessoas desceram às ruas de Berlim e ao
cemitério de Friedrichsfelde para manter viva, 100 anos depois, a mancha desse
violento assassínio.)
Em deambulações de tempos idos pelo marxismo e pela sedução que dele
brotava para explicação de algumas fases de transformação da história e do
capitalismo, a figura de Rosa Luxemburgo sempre me inspirou algum fascínio. Recordo-me
de nesse tempo ter lido a sua obra económica mais estruturada, The Accumulation of Capital, em que a dimensão
da necessidade da dimensão internacional do capitalismo para assegurar a reprodução
e acumulação do capital suscitou entre os marxistas fortes críticas e reservas.
Mas o que na altura mais captou a minha atenção foi o trajeto político de Rosa
Luxemburgo, com especial incidência no período em que o SPD aprovou a entrada da
Alemanha na 1ª Guerra Mundial e que a levou à criação da célebre Liga de
Spartacus que se opunha, movimento revolucionário podemos dizê-lo pacifista e antiguerra
mundial pelas consequências trágicas que o envolvimento alemão traria segundo
Luxemburgo para as classes trabalhadoras.
Estas memórias que começavam a desvanecer-se no cansaço dos quase setenta
anos foram reavivadas com dois excelentes artigos sobre a efeméride dos 100
anos que passaram do assassínio violento de Rosa Luxemburgo e de Friedrich Liebknecht,
um no The Guardian (link aqui) e
outro no El Pais (link aqui) escrito
por um economista-cronista que muito aprecio, Joaquín Estefanía. O artigo do Guardian
centra-se nas comemorações ou romagem conforme lhe queiramos chamar de Berlim, pelo
qual compreendemos que ainda há muita gente, ativista e militante de esquerda ou
de extrema-esquerda que ainda vai à rua para manter viva a mancha negro-vermelha
do violento assassínio dos dois ativistas e intelectuais revolucionários. Na
reportagem de Kate Connolly e Josie Le Blond é possível verificar que entre a
massa de pessoas que compareceu nas ruas de Berlim há ainda quem pense como avisadas
eram as previsões de Rosa Luxemburgo sobre as consequências do envolvimento
alemão e da preparação das condições para o advento do nazismo nessa mesma Alemanha.
As violentas e trágicas circunstâncias do assassinato dos dois ativistas são
objeto do foco do artigo de Estefanía e sobretudo no depois declarado envolvimento
do governo social-democrata de então, no âmbito da violenta repressão da
extrema-esquerda, sobretudo a liderada pela Liga de Spartacus, que precedeu o
assassínio.
Embora nos pareça hoje inverosímil, nas relações entre o SPD e a esquerda
mais extrema na Alemanha o assassínio de Rosa e Friedrich não se desvaneceu no já
imaginário, para alguns, passado histórico dos inícios de 1919. De facto, em matéria
de internacionalismo, de crítica do revisionismo e de defesa dos valores democráticos
em processos revolucionários, dificilmente poderemos na história encontrar uma
representante tão icónica e coerente entre ideias, ações e destino da sua vida como Rosa Luxemburgo.
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