terça-feira, 15 de janeiro de 2019

ROSA, 100 ANOS DEPOIS



(A história da esquerda está cheia de questões não resolvidas, algumas das quais perduram misteriosamente e alimentam as memórias mais diversas. O modo como Rosa Luxemburgo e o seu companheiro de longa data Karl Liebknecht foram assassinados na noite de 15 de janeiro de 1919, com participação no acontecimento do governo do social-democrata Friedrich Ebert, é um desses acontecimentos fraturantes de longo alcance. Cerca de 20.000 pessoas desceram às ruas de Berlim e ao cemitério de Friedrichsfelde para manter viva, 100 anos depois, a mancha desse violento assassínio.)

Em deambulações de tempos idos pelo marxismo e pela sedução que dele brotava para explicação de algumas fases de transformação da história e do capitalismo, a figura de Rosa Luxemburgo sempre me inspirou algum fascínio. Recordo-me de nesse tempo ter lido a sua obra económica mais estruturada, The Accumulation of Capital, em que a dimensão da necessidade da dimensão internacional do capitalismo para assegurar a reprodução e acumulação do capital suscitou entre os marxistas fortes críticas e reservas. Mas o que na altura mais captou a minha atenção foi o trajeto político de Rosa Luxemburgo, com especial incidência no período em que o SPD aprovou a entrada da Alemanha na 1ª Guerra Mundial e que a levou à criação da célebre Liga de Spartacus que se opunha, movimento revolucionário podemos dizê-lo pacifista e antiguerra mundial pelas consequências trágicas que o envolvimento alemão traria segundo Luxemburgo para as classes trabalhadoras.

Estas memórias que começavam a desvanecer-se no cansaço dos quase setenta anos foram reavivadas com dois excelentes artigos sobre a efeméride dos 100 anos que passaram do assassínio violento de Rosa Luxemburgo e de Friedrich Liebknecht, um no The Guardian (link aqui) e outro no El Pais (link aqui) escrito por um economista-cronista que muito aprecio, Joaquín Estefanía. O artigo do Guardian centra-se nas comemorações ou romagem conforme lhe queiramos chamar de Berlim, pelo qual compreendemos que ainda há muita gente, ativista e militante de esquerda ou de extrema-esquerda que ainda vai à rua para manter viva a mancha negro-vermelha do violento assassínio dos dois ativistas e intelectuais revolucionários. Na reportagem de Kate Connolly e Josie Le Blond é possível verificar que entre a massa de pessoas que compareceu nas ruas de Berlim há ainda quem pense como avisadas eram as previsões de Rosa Luxemburgo sobre as consequências do envolvimento alemão e da preparação das condições para o advento do nazismo nessa mesma Alemanha. As violentas e trágicas circunstâncias do assassinato dos dois ativistas são objeto do foco do artigo de Estefanía e sobretudo no depois declarado envolvimento do governo social-democrata de então, no âmbito da violenta repressão da extrema-esquerda, sobretudo a liderada pela Liga de Spartacus, que precedeu o assassínio.

Embora nos pareça hoje inverosímil, nas relações entre o SPD e a esquerda mais extrema na Alemanha o assassínio de Rosa e Friedrich não se desvaneceu no já imaginário, para alguns, passado histórico dos inícios de 1919. De facto, em matéria de internacionalismo, de crítica do revisionismo e de defesa dos valores democráticos em processos revolucionários, dificilmente poderemos na história encontrar uma representante tão icónica e coerente entre ideias, ações e destino da sua vida como Rosa Luxemburgo.

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