(2018, e seguramente 2019 irá confirmá-lo de novo, revelou
um problema sério de afirmação da ciência económica (será mesmo ciência?), que
entendo ser resultado de um deficiente entendimento do modo como se debate em
economia e como se organiza e respeita o contraditório. É um problema que a profissão
e a academia em geral não resolveram, amplificado em Portugal por uma
Universidade mais interessada em resolver as suas coisinhas do que contribuir
para um outro estado das coisas e sobretudo por um jornalismo económico de meia
tigela e rendido à “voz do dono”. Mas há gente a remar contra a corrente e Timothy Taylor no
Conversable Economist é um deles (link aqui).)
O confiável economista americano recorre a uma longa citação de Keynes para
nos situar no entendimento do contraditório em economia:
“Quando
se escreve teoria económica, escrevemos num estilo quase formal e não pode haver
dúvida, apesar das suas desvantagens, que constitui a nossa melhor maneira de transmitir
os nossos pensamentos a uma outra pessoa. Mas quando um economista escreve num
estilo quase formal, ele não está a compor nem um documento verbalmente
completo e tão exato como se de uma interpretação estritamente legal se
tratasse, nem uma demonstração logicamente completa. Enquanto que é seu dever
formular todas as suas premissas e assegurar que a utilização da terminologia seja tão clara
quanto possível, ele nunca coloca todas as suas premissas e as suas definições nunca
são perfeitamente claras. Ele nunca menciona todas as qualificações necessárias
para as suas conclusões. Ele não tem qualquer possibilidade de colocar, de uma
vez por todas, o nível preciso de abstração que está a utilizar e não utiliza
sempre o mesmo nível ao longo do tempo. Penso ser da essência natural da exposição
económica que não forneça uma afirmação completa, o que, mesmo que fosse possível,
tenderia a ser prolixa e complicada ao ponto de se tornar obscura, mas apenas
uma afirmação amostral, ou seja diferente de todas as coisas que poderiam ser
ditas, destinadas a sugerir ao leitor todo o conjunto de ideias associadas, de
modo a que se ele compreender o conjunto pelo menos não fique confuso ou bloqueado
pela incompletude técnica das simples palavras que o autor escreveu, entendidas
literalmente.
Isso significa,
por um lado, que um escritor económico exige do seu leitor muita boa vontade e
inteligência e uma grande parte de cooperação e, por outro lado, que existem mil
objeções, fúteis ainda que verbalmente legítimas, que um objetor pode suscitar.
Em economia, não podemos condenar o nosso opositor por um determinado erro, apenas
podemos convencê-lo de que o cometeu. E, mesmo que estejamos certos, não o
poderemos convencer se os nossos próprios poderes de persuasão e exposição
forem deficientes ou se a sua cabeça estiver cheia de noções contrárias de modo
que não possa encontrar as chaves do pensamento que estamos a tentar
transmitir-lhe.
O resultado
disto é que muito do criticismo, com justificação verbal no que o autor escreveu,
seja no entanto ao mesmo tempo fútil e absolutamente irritante; pelo simples
facto das mentes dos autores e do leitor não terem conseguido encontrar-se.
Por isso, peço
perdão se falhei em termos da necessária boa vontade e simpatia intelectual
quando critico e aquelas mentes que, por quaisquer razões, não sejam facilmente
recetivas às minhas ideias, asseguro antecipadamente de que não terão dificuldades, onde o país
a atravessar é tão extenso e complicado, em descobrir as razões que lhes
pareçam adequadas para recusarem seguir o meu pensamento. O tempo mais do que a
controvérsia separará o verdadeiro do falso.”
John Maynard Keynes, volume XIII das Collected
Works, edição de Donald Moggridge, publicadas em 1973 (pp. 469-471
Claro que já não se escreve assim. É fino demais para os tempos que correm.
Só não sei se em matéria de afirmação do pensamento económico temos tempo para
que ele suplante a controvérsia.
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