quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

UMA CITAÇÃO



(2018, e seguramente 2019 irá confirmá-lo de novo, revelou um problema sério de afirmação da ciência económica (será mesmo ciência?), que entendo ser resultado de um deficiente entendimento do modo como se debate em economia e como se organiza e respeita o contraditório. É um problema que a profissão e a academia em geral não resolveram, amplificado em Portugal por uma Universidade mais interessada em resolver as suas coisinhas do que contribuir para um outro estado das coisas e sobretudo por um jornalismo económico de meia tigela e rendido à “voz do dono”. Mas há gente a remar contra a corrente e Timothy Taylor no Conversable Economist é um deles (link aqui).)

O confiável economista americano recorre a uma longa citação de Keynes para nos situar no entendimento do contraditório em economia:

Quando se escreve teoria económica, escrevemos num estilo quase formal e não pode haver dúvida, apesar das suas desvantagens, que constitui a nossa melhor maneira de transmitir os nossos pensamentos a uma outra pessoa. Mas quando um economista escreve num estilo quase formal, ele não está a compor nem um documento verbalmente completo e tão exato como se de uma interpretação estritamente legal se tratasse, nem uma demonstração logicamente completa. Enquanto que é seu dever formular todas as suas premissas e assegurar que a utilização da terminologia seja tão clara quanto possível, ele nunca coloca todas as suas premissas e as suas definições nunca são perfeitamente claras. Ele nunca menciona todas as qualificações necessárias para as suas conclusões. Ele não tem qualquer possibilidade de colocar, de uma vez por todas, o nível preciso de abstração que está a utilizar e não utiliza sempre o mesmo nível ao longo do tempo. Penso ser da essência natural da exposição económica que não forneça uma afirmação completa, o que, mesmo que fosse possível, tenderia a ser prolixa e complicada ao ponto de se tornar obscura, mas apenas uma afirmação amostral, ou seja diferente de todas as coisas que poderiam ser ditas, destinadas a sugerir ao leitor todo o conjunto de ideias associadas, de modo a que se ele compreender o conjunto pelo menos não fique confuso ou bloqueado pela incompletude técnica das simples palavras que o autor escreveu, entendidas literalmente.

Isso significa, por um lado, que um escritor económico exige do seu leitor muita boa vontade e inteligência e uma grande parte de cooperação e, por outro lado, que existem mil objeções, fúteis ainda que verbalmente legítimas, que um objetor pode suscitar. Em economia, não podemos condenar o nosso opositor por um determinado erro, apenas podemos convencê-lo de que o cometeu. E, mesmo que estejamos certos, não o poderemos convencer se os nossos próprios poderes de persuasão e exposição forem deficientes ou se a sua cabeça estiver cheia de noções contrárias de modo que não possa encontrar as chaves do pensamento que estamos a tentar transmitir-lhe.

O resultado disto é que muito do criticismo, com justificação verbal no que o autor escreveu, seja no entanto ao mesmo tempo fútil e absolutamente irritante; pelo simples facto das mentes dos autores e do leitor não terem conseguido encontrar-se.

Por isso, peço perdão se falhei em termos da necessária boa vontade e simpatia intelectual quando critico e aquelas mentes que, por quaisquer razões, não sejam facilmente recetivas às minhas ideias, asseguro antecipadamente de que não terão dificuldades, onde o país a atravessar é tão extenso e complicado, em descobrir as razões que lhes pareçam adequadas para recusarem seguir o meu pensamento. O tempo mais do que a controvérsia separará o verdadeiro do falso.”

John Maynard Keynes, volume XIII das Collected Works, edição de Donald Moggridge, publicadas em 1973 (pp. 469-471

Claro que já não se escreve assim. É fino demais para os tempos que correm. Só não sei se em matéria de afirmação do pensamento económico temos tempo para que ele suplante a controvérsia.

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