(A querela entre as instituições comunitárias e os
gigantes tecnológicos da internet como a Google tem passado despercebida em
Portugal, sinal inequívoco de como é frequente esquecermos o essencial e ser
seduzidos pelo circunstancial. Dada a sua complexidade é mais uma questão de debate e menos de opinião.)
Tenho seguido, na medida do possível, através do Financial Times Brussels Briefing que me chega todas as
manhãs à caixa do correio eletrónico, a evolução da longa querela entre as
instituições comunitárias e os gigantes da internet, particularmente a Google e
o You Tube, centrada na questão dos direitos de autor. Nos últimos tempos, as
oscilações do braço de ferro respeitam à discussão de dois artigos, o artigo
11º relativo ao pagamento por parte dos serviços do Google News da utilização
de notícias de jornais, alguns deles com acesso livre on line e o artigo 13º que obrigaria a que os gestores dos serviços
internet fossem responsáveis pelos uploads
realizados em termos de controlo de direitos de autor.
A matéria é complexa e tenho “mixed
feelings” quanto à mesma. Enquanto contexto geral, sou sensível à
preservação da ideia de direitos de autor, enquanto condição básica para a
remuneração da criatividade. Mas, como seria previsível e acontece noutros
domínios, a velocidade a que evolui a imaterialização progressiva da
comunicação coloca os mecanismos da proteção jurídica e da regulação em
situação de atraso permanente. E importa não esquecer que não se trata de uma
querela contra agentes indiscriminados ou inexpressivos em termos de poder e
influência. Não, o que temos pela frente são gigantes tecnológicos, com um peso
que começa a ser asfixiante nas condições de disseminação de informação.
Isso explica em parte a oscilação que se tem verificado nas linhas de força
da querela. Umas vezes dá a impressão que a força pende para as autoridades
comunitárias, outras vezes, porém, a balança pende para os gigantes high-tech.
Entendo que de qualquer modo os artigos 11º e 13º projetam matérias distintas
do ponto de vista da defesa dos direitos de autor.
Quanto ao artigo 11º, penso que uma coisa é a citação bem identificada de
uma notícia outra bem diferente é o uso sistemático das notícias que outros
órgãos de informação produzem para construir um negócio de disseminação de
informação. Por isso, no que respeita a este artigo, espero que prevaleça a
posição das autoridades comunitárias e que estas os tenham no sítio para
contrariar possíveis represálias dos gigantes high-tech. Já no que respeita ao
artigo 13º, parece-me contraditório com os princípios da internet que os
gestores dos sistemas sejam responsabilizados pelos uploads de conteúdos que violem regras de direitos de autor. O
potencial censório desses sistemas é enorme e não me parece curial acordar
gigantes adormecidos. Há relativo pouco tempo, para registar a efeméride do
desaparecimento da revista INTERVÍU, revista espanhola que exerceu alguma
influência na liberalização de costumes e da liberdade sexual na sociedade
espanhola, e por isso a mencionei neste blogue, registei como imagem icónica
uma fotografia de Marisol com os seios descobertos, tal como a revista a
publicou em seu tempo. Como utilizo o Face book para divulgar os meus posts no
INTERESSE, recebi uma púdica mensagem do Facebook a comunicar que a minha conta
estava bloqueada enquanto não anulasse o pretenso atentado ao pudor. Eis um
pequeno sinal do potencial censório que estes gigantes possuem. Por isso, não
me parece sensato o artigo 13º. O princípio da liberdade-responsabilidade
parece-me ser aplicável também no caso dos uploads e o combate às fake news exige outras abordagens,
designadamente a identificação e destruição das centrais produtoras, o que é
uma questão de serviços de inteligência europeus e nacionais. Mas convém não
ignorar que um dos maiores produtores de notícias falsas é o Presidente da
nação apontada como a mais poderosa do mundo, o que equivale a uma mudança de
escala que julgaríamos inimaginável. Mas acontece.
Penso que esta questão não se confunde com a necessidade imperiosa de
controlar os gigantes high-tech, não
só do ponto de vista fiscal (por mais que a sua presença seja disputada entre
alguns países europeus), mas também do ponto de vista da utilização que os
mesmos podem fazer do também gigantesco potencial de big data que veiculam e
armazenam. Isso sim são guerras em que não podemos dispersar forças e poder de
tiro.
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