segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

LIBERDADE E INTERNET



(A querela entre as instituições comunitárias e os gigantes tecnológicos da internet como a Google tem passado despercebida em Portugal, sinal inequívoco de como é frequente esquecermos o essencial e ser seduzidos pelo circunstancial. Dada a sua complexidade é mais uma questão de debate e menos de opinião.)

Tenho seguido, na medida do possível, através do Financial Times Brussels Briefing que me chega todas as manhãs à caixa do correio eletrónico, a evolução da longa querela entre as instituições comunitárias e os gigantes da internet, particularmente a Google e o You Tube, centrada na questão dos direitos de autor. Nos últimos tempos, as oscilações do braço de ferro respeitam à discussão de dois artigos, o artigo 11º relativo ao pagamento por parte dos serviços do Google News da utilização de notícias de jornais, alguns deles com acesso livre on line e o artigo 13º que obrigaria a que os gestores dos serviços internet fossem responsáveis pelos uploads realizados em termos de controlo de direitos de autor.

A matéria é complexa e tenho “mixed feelings” quanto à mesma. Enquanto contexto geral, sou sensível à preservação da ideia de direitos de autor, enquanto condição básica para a remuneração da criatividade. Mas, como seria previsível e acontece noutros domínios, a velocidade a que evolui a imaterialização progressiva da comunicação coloca os mecanismos da proteção jurídica e da regulação em situação de atraso permanente. E importa não esquecer que não se trata de uma querela contra agentes indiscriminados ou inexpressivos em termos de poder e influência. Não, o que temos pela frente são gigantes tecnológicos, com um peso que começa a ser asfixiante nas condições de disseminação de informação.

Isso explica em parte a oscilação que se tem verificado nas linhas de força da querela. Umas vezes dá a impressão que a força pende para as autoridades comunitárias, outras vezes, porém, a balança pende para os gigantes high-tech. Entendo que de qualquer modo os artigos 11º e 13º projetam matérias distintas do ponto de vista da defesa dos direitos de autor.

Quanto ao artigo 11º, penso que uma coisa é a citação bem identificada de uma notícia outra bem diferente é o uso sistemático das notícias que outros órgãos de informação produzem para construir um negócio de disseminação de informação. Por isso, no que respeita a este artigo, espero que prevaleça a posição das autoridades comunitárias e que estas os tenham no sítio para contrariar possíveis represálias dos gigantes high-tech. Já no que respeita ao artigo 13º, parece-me contraditório com os princípios da internet que os gestores dos sistemas sejam responsabilizados pelos uploads de conteúdos que violem regras de direitos de autor. O potencial censório desses sistemas é enorme e não me parece curial acordar gigantes adormecidos. Há relativo pouco tempo, para registar a efeméride do desaparecimento da revista INTERVÍU, revista espanhola que exerceu alguma influência na liberalização de costumes e da liberdade sexual na sociedade espanhola, e por isso a mencionei neste blogue, registei como imagem icónica uma fotografia de Marisol com os seios descobertos, tal como a revista a publicou em seu tempo. Como utilizo o Face book para divulgar os meus posts no INTERESSE, recebi uma púdica mensagem do Facebook a comunicar que a minha conta estava bloqueada enquanto não anulasse o pretenso atentado ao pudor. Eis um pequeno sinal do potencial censório que estes gigantes possuem. Por isso, não me parece sensato o artigo 13º. O princípio da liberdade-responsabilidade parece-me ser aplicável também no caso dos uploads e o combate às fake news exige outras abordagens, designadamente a identificação e destruição das centrais produtoras, o que é uma questão de serviços de inteligência europeus e nacionais. Mas convém não ignorar que um dos maiores produtores de notícias falsas é o Presidente da nação apontada como a mais poderosa do mundo, o que equivale a uma mudança de escala que julgaríamos inimaginável. Mas acontece.

Penso que esta questão não se confunde com a necessidade imperiosa de controlar os gigantes high-tech, não só do ponto de vista fiscal (por mais que a sua presença seja disputada entre alguns países europeus), mas também do ponto de vista da utilização que os mesmos podem fazer do também gigantesco potencial de big data que veiculam e armazenam. Isso sim são guerras em que não podemos dispersar forças e poder de tiro.

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