(Esforço tecnológico, despesas em I&D /PIB; nas NUTS III mais dinâmicas, IPCTN, 2016)
(Fez bem o meu colega de blogue em, apesar das funções
que exerce e certamente dos equilíbrios que tem de enfrentar para manter pensamento
próprio e aturar centralistas, trazer para este espaço de reflexão o
significado da desaceleração do crescimento per capita da região de Lisboa, vulgo
Área Metropolitana de Lisboa (link aqui). Associo-me à reflexão, dentro daquele espírito que é timbre do pensamento
que por aqui se produz segundo o qual damos valor ao sentimento de recusa de
acantonamento e ao direito de pensar o país não a partir da sua capital e dos
interesses que a povoam mas antes a partir da diversidade do seu território e
dos seus diferentes cosmopolitismos, pois não há apenas o cosmopolitismo
lisboeta)
Lisboa coitadinha podia ser o título de um fadinho de carpir mágoas e de
partir o coração. Durante muito tempo, incluindo os primeiros anos da
democracia pós 1974 em que a visão territorial do país era ainda a dos últimos
Planos de Fomento, alimentou-se em Portugal a ideia de que o que era bom para
Lisboa era bom para todos. Por magia e efeito de vasos comunicantes não
identificáveis, o crescimento macrocéfalo de Lisboa e dos seus símbolos de modernidade
tecnológica e de serviços avançados haveria de projetar-se por todo o país. Mas
os vasos comunicantes que haveriam de conectar o crescimento da aglomeração
capital com essa outra realidade, sim essa vaga noção, para muitos, de um outro
país, deviam estar cheios de colesterol e outras obstruções, pois esses spread effects não se viram. Está por
fazer a geografia profunda dos efeitos da crise do ajustamento das dívidas
soberanas, analisando com rigor como é que esses efeitos foram territorializados.
Sim e pesar das Borbas deste pais, que servem apenas para justificar os medos
da descentralização, a generalidade dos municípios portugueses ajustou-se bem
aos novos limites do endividamento, gerindo bem uma parte bem ínfima do bolo da
dívida.
Mas se quisermos ser rigorosos, Lisboa capitalizou o fartote dos não
transacionáveis. Certamente que o modelo que nos levou ao aperto de 2011, por
muitos cambiantes que haja ainda não totalmente explicados das suas origens, se
espraiou praticamente por todo o país. Porém, esse modelo é indissociável do
reforço do centralismo lisboeta. A capital assumiu bem esse papel e atraiu os
quadros, os investimento e os recursos de investimento estrangeiro que o modelo
trouxe consigo. Paralelamente com o desvario dos não transacionáveis, Lisboa
protagonizou também as ambições dos “donos disto tudo”, embalada pela ambição
de empresas globais para uma pequena economia. As PT e os BES deste universo
faziam parte do modelo centralista, gerando em torno dessa ambição uma miríade
de outros negócios, designadamente a frente dos serviços intensivos em
conhecimento prosseguindo a velha ideia de uma grande cabeça fará engordar mais
tarde ou mesmo todo o restante corpo.
Todas essas ambições ruíram como um castelo de areia frágil e incapaz de
parar a primeira onda mais alterada. A outra componente do modelo, o forte peso
da administração pública que se alojou no regaço protetor da capital, também
evolui hoje com rédea curta do ministro das Finanças e por isso incapaz de, por
si só, assegurar a cobertura da outra perda. É verdade que a pujança da plataforma
turística da capital deve ser valorizada, Acaba por ser uma espécie de transacionável
cá dentro. Mas, aqui d’el Rey, mal os primeiros números começam a apontar para o
desvanecimento das ambições, os cronistas de serviço, com Mateus à frente e
imagino que o sempre preocupado Félix Ribeiro não durma já há algumas noites, proclamam
que estamos a dar cabo de Lisboa e assim a afundar o país. Mas onde é que para
a honestidade intelectual destes cronistas de serviço, tão apaparicados por
algumas regiões, incluindo a Norte, que gostam de se fortalecer com a bênção das
suas análises? Então, quando estamos em alta e crescimento, os vasos
comunicantes parecem bloqueados pelo colestorol mais empedernido e os efeitos do
crescimento de Lisboa sobre o outro território são pura imaginação. Porquê então
quando as coisas correm mal pela capital se busca essa causalidade trágico-cómica?
Brinquem, esforcem-se e vangloriem-se mas não façam de nós parvos.
Entretanto e por razões profissionais e estimulado por análises pioneiras
do meu amigo Mário Rui Silva, tenho trabalhado nos últimos dias com os dados do
Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional (IPCTN) publicados em
2018 e referentes ao ano de 2016. Como é conhecido, há duas vias complementares,
mas nem sempre com o mesmo potencial de informação, de medida da intensidade de
inovação de uma economia: medir, por um lado, a dimensão do esforço tecnológico
(inputs ambicionando um resultado de inovação) e, por outro, uma dimensão de
output tecnológico, por exemplo o número de patentes registadas. O IPCTN é um
bom instrumento para medir o esforço tecnológico e o que é relevante fá-lo
recentemente a nível de NUTS III, o que já é um nível territorial muito aceitável.
O indicador mais divulgado de esforço tecnológico é o das despesas em
investigação e desenvolvimento (I&D). A interpretação deste esforço é bem
mais rica quando se compara para cada território o esforço em I&D total e
em I&D empresarial, ambas em percentagem do PIB, neste caso do PIB NUTS
III.
É muito interessante comparar os números primeiro por NUTS II e depois por NUTS
III.
Região
|
Despesa total/PIB
|
Setor Empresas/PIB
|
Setor Institucional/PIB
|
Portugal
|
1,29
|
0,62
|
0,67
|
Continente
|
1,34
|
0,65
|
0,68
|
Norte
|
1,37
|
0,69
|
0,69
|
Centro
|
1,27
|
0,66
|
0,61
|
AM Lisboa
|
1,61
|
0,77
|
0,85
|
Alentejo
|
0,54
|
0,27
|
0,27
|
Algarve
|
0,36
|
0,06
|
0,30
|
RA Açores
|
0,30
|
0,02
|
0,28
|
RA Madeira
|
0,31
|
0,07
|
0,24
|
Por NUTS II, a região de Lisboa é ainda aquela que apresenta o maior esforço
tecnológico, não sendo por caso que o esforço do setor institucional é superior
ao empresarial.
NUTS III
|
Despesa total I&D/PIB
|
(Setor Empresas/PIB)
|
(Setor Institucional/PIB)
|
AM do Porto
|
1,84
|
0,98
|
0,86
|
Cávado
|
1,74
|
0,60
|
1,14
|
Ave
|
0,94
|
0,56
|
0,38
|
Oeste
|
1,08
|
0,66
|
0,61
|
AM Lisboa
|
1,61
|
0,77
|
0,85
|
Região de Aveiro
|
2,23
|
1,22
|
1,02
|
Região de Coimbra
|
2,14
|
0,60
|
1,54
|
Mas o que é que vemos quando se compara o esforço tecnológico da região de
Lisboa com o das NUTS III mais pujantes em termos de desempenho inovação? A
região de Lisboa passa a ser a sexta das sete NUTS III que lideram o esforço
tecnológico global. E atenção a região de Aveiro e a Área Metropolitana do
Porto já superam em2016 o esforço tecnológico empresarial da região de Lisboa.
Surpresa, caros cronistas do Reino? Não há surpresa nenhuma, apenas o
efeito de convergência assegurado pelos Fundos Estruturais de política de
inovação e sobretudo o efeito de que as regiões mais dinâmicas do país,
cansados dos tais spread effects vindos
da capital, que nunca chegaram, deram corda aos seus sapatos e fizeram pela
vida, assegurando uma outra visão territorial do Portugal tecnológico.
A Lisboa coitadinha é assim uma simples manifestação de um país que está a
mudar, lentamente é certo, mas mesmo assim ao ritmo suficiente para que alguns
mitos se desfaçam ainda em vida dos tais cronistas de serviço.
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