quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

FACAS AFIADAS



(Se em tempos de normalidade a eventual desagregação de um partido de governo é uma ameaça a evitar, nos tempos que correm a preocupação aumenta quando tal possibilidade se perfila como exequível. O que se passa no PSD deve ser visto mais como um episódio que ilustra a profunda reorganização da direita e menos como um reflexo de choque entre personalidades políticas)

As facas estão afiadas no PSD. Já se ouvem os pregões do amolador, só não se sabe quem se candidata a ser capado, salvo seja. A direita que se aninhou no regaço de Passos Coelho cometeu um erro de cálculo quando não foi a jogo no tempo certo e se deixou apagar pelo confronto entre Rio e Santana. Ninguém de bom juízo admitiria que Santana pudesse estabilizar em torno de um compromisso qualquer. Por isso, o confronto de Rio versus Santana só poderia constituir uma espécie de interregno, de período dedicado ao realinhamento de forças. Seria tudo uma questão de tempo, mas preparar um take over como forma de lançamento de um reposicionamento eleitoral do PSD não lembraria ao diabo, aquele que as hostes de Passos gostariam que se tivesse atempadamente manifestado.

Há muito que não víamos um líder político com tão má e ostensiva imprensa como Rio. Ele terá admitido que seria capaz de consagrar um novo estilo de fazer política, o que com imprensa tão em rota de colisão com as suas ideias representaria sempre uma tarefa de largo fôlego e estaleca que chegasse. Algumas escolhas que Rio fez para o seu núcleo político de proximidade (Malheiro, Elina Fraga, Barreiros Duarte e outros similares) anunciaram que o recentramento e a defesa do ideário social-democrata eram tarefas demasiado pesadas para personalidades tão frágeis. Imaginei que David Justino, do qual tenho uma excelente impressão alimentada por contactos com o Conselho Nacional de Educação a que presidiu, pudesse dar algum cimento a tal saco de gatos. Dei comigo frequentemente a defender implicitamente as posições de Rio quando o próprio se colocou no raio de ataque dos Observadores e de personalidades como Montenegro ou Hugo Soares. A posição corajosa que Rio defendeu para a reforma da justiça nunca foi invocada no momento político certo e, à medida que as peripécias e a demonstração da fragilidade do universo de políticos com proximidade ao líder se foram precipitando, fui percebendo que uma vez mais as lideranças com sotaque do Norte se estatelam ao comprido, mais tarde ou mais cedo.

Não posso deixar de interrogar-me o que é que explica que a situação de limbo à espera de desastres eleitorais em que o PSD tinha mergulhado seja de repente quebrada pelo pedido de duelo de Montenegro (para mim um mistério da política portuguesa mais recente em termos de desconformidade entre potencial intrínseco e valia política que lhe é atribuída), colocando Rio entre a decisão de aceitar uma luta a dois com tempo para os apostadores ou de uma batalha estatutária. Não é líquido que Rio perca necessariamente a contenda qualquer que seja o recinto e as regras escolhidas para o embate. Do posicionamento de Rio começa-se a pressentir uma interrogação: estará o ainda líder do PSD motivado para a luta ou lá no fundo já não pode ver à sua frente a cambada de parasitas que o afrontam? Por mais agressiva que seja a imprensa que o desvaloriza permanentemente estes estados de espírito que o eleitorado percebe melhor do que se pensa resultam apenas do posicionamento do político e não são uma qualquer encenação para denegrir a sua postura. Rio, por mais teimoso que se apresente, não estará hoje imune aquela questão assassina que certos políticos acabam por colocar a si próprio: mas terei eu unhas para o que ambiciono mudar?

Mas o reerguer dos delfins de Passos tem em meu entender um outro significado. A direita e os interesses empresariais que com ela se identificam estão hoje mergulhados numa profunda incomodidade de ausência de representação política. Cristas é demasiado menina do coro para protagonizar tais interesses. As iniciativas dos Carrapatosos e Marrões deste país não conseguem cativar nada de mais relevante do que um conjunto restrito de intelectuais que se apelidam de liberais, mas que muitos deles andam sempre focados na captação de excedentes e rendas públicos. O flirt com o PS é considerado demasiado aleatório, pois em qualquer dossier de maior aproximação pode erguer-se o vozeirão do Pedro Nuno Santos e lá está o caldo entornado e os negócios desfeitos. Muito provavelmente, o Aliança de Santana é também considerado inconsistente para o efeito, pois o seu líder pode ter uma recaída de um personalismo qualquer. Ora, neste contexto de ausência de alternativas, Rui Rio não reúne as condições de representação pretendida. É demasiado social-democrata, apesar de relativamente limitado do ponto de vista da envergadura de pensamento. Por isso, Montenegro, mas poderia ser outro qualquer, agita as águas e procura reorientar de novo o PSD para a direita. Encaro este afiar de facas da melhor cutelaria no PSD como mais uma manifestação da tentativa desesperada de reorganização da direita, essencialmente determinada pela alteração de combinatórias que a geringonça trouxe, não sabemos se para ficar ou se apenas como uma experimentação para a história desvendar mais tarde.

Imagino que o PS esteja em pulgas para compreender que pensamento eleitoral vai ter de enfrentar, se o centro de Rio, se o puxar de galões pela passagem de Passos pelo poder. Eu também estaria.

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