(Se em tempos de normalidade a eventual desagregação de
um partido de governo é uma ameaça a evitar, nos tempos que correm a
preocupação aumenta quando tal possibilidade se perfila como exequível. O que se passa no PSD deve ser visto mais como um
episódio que ilustra a profunda reorganização da direita e menos como um
reflexo de choque entre personalidades políticas)
As facas estão afiadas no PSD. Já se ouvem os pregões do amolador, só não
se sabe quem se candidata a ser capado, salvo seja. A direita que se aninhou no
regaço de Passos Coelho cometeu um erro de cálculo quando não foi a jogo no
tempo certo e se deixou apagar pelo confronto entre Rio e Santana. Ninguém de
bom juízo admitiria que Santana pudesse estabilizar em torno de um compromisso
qualquer. Por isso, o confronto de Rio versus Santana só poderia constituir uma
espécie de interregno, de período dedicado ao realinhamento de forças. Seria
tudo uma questão de tempo, mas preparar um take
over como forma de lançamento de um reposicionamento eleitoral do PSD não
lembraria ao diabo, aquele que as hostes de Passos gostariam que se tivesse atempadamente
manifestado.
Há muito que não víamos um líder político com tão má e ostensiva imprensa
como Rio. Ele terá admitido que seria capaz de consagrar um novo estilo de
fazer política, o que com imprensa tão em rota de colisão com as suas ideias
representaria sempre uma tarefa de largo fôlego e estaleca que chegasse.
Algumas escolhas que Rio fez para o seu núcleo político de proximidade
(Malheiro, Elina Fraga, Barreiros Duarte e outros similares) anunciaram que o
recentramento e a defesa do ideário social-democrata eram tarefas demasiado
pesadas para personalidades tão frágeis. Imaginei que David Justino, do qual
tenho uma excelente impressão alimentada por contactos com o Conselho Nacional
de Educação a que presidiu, pudesse dar algum cimento a tal saco de gatos. Dei
comigo frequentemente a defender implicitamente as posições de Rio quando o
próprio se colocou no raio de ataque dos Observadores e de personalidades como
Montenegro ou Hugo Soares. A posição corajosa que Rio defendeu para a reforma
da justiça nunca foi invocada no momento político certo e, à medida que as
peripécias e a demonstração da fragilidade do universo de políticos com
proximidade ao líder se foram precipitando, fui percebendo que uma vez mais as
lideranças com sotaque do Norte se estatelam ao comprido, mais tarde ou mais
cedo.
Não posso deixar de interrogar-me o que é que explica que a situação de
limbo à espera de desastres eleitorais em que o PSD tinha mergulhado seja de
repente quebrada pelo pedido de duelo de Montenegro (para mim um mistério da
política portuguesa mais recente em termos de desconformidade entre potencial
intrínseco e valia política que lhe é atribuída), colocando Rio entre a decisão
de aceitar uma luta a dois com tempo para os apostadores ou de uma batalha
estatutária. Não é líquido que Rio perca necessariamente a contenda qualquer
que seja o recinto e as regras escolhidas para o embate. Do posicionamento de
Rio começa-se a pressentir uma interrogação: estará o ainda líder do PSD
motivado para a luta ou lá no fundo já não pode ver à sua frente a cambada de
parasitas que o afrontam? Por mais agressiva que seja a imprensa que o
desvaloriza permanentemente estes estados de espírito que o eleitorado percebe
melhor do que se pensa resultam apenas do posicionamento do político e não são
uma qualquer encenação para denegrir a sua postura. Rio, por mais teimoso que
se apresente, não estará hoje imune aquela questão assassina que certos políticos
acabam por colocar a si próprio: mas terei eu unhas para o que ambiciono mudar?
Mas o reerguer dos delfins de Passos tem em meu entender um outro
significado. A direita e os interesses empresariais que com ela se identificam
estão hoje mergulhados numa profunda incomodidade de ausência de representação
política. Cristas é demasiado menina do coro para protagonizar tais interesses.
As iniciativas dos Carrapatosos e Marrões deste país não conseguem cativar nada
de mais relevante do que um conjunto restrito de intelectuais que se apelidam
de liberais, mas que muitos deles andam sempre focados na captação de excedentes
e rendas públicos. O flirt com o PS é considerado demasiado aleatório, pois em
qualquer dossier de maior aproximação pode erguer-se o vozeirão do Pedro Nuno
Santos e lá está o caldo entornado e os negócios desfeitos. Muito
provavelmente, o Aliança de Santana é também considerado inconsistente para o
efeito, pois o seu líder pode ter uma recaída de um personalismo qualquer. Ora,
neste contexto de ausência de alternativas, Rui Rio não reúne as condições de representação
pretendida. É demasiado social-democrata, apesar de relativamente limitado do
ponto de vista da envergadura de pensamento. Por isso, Montenegro, mas poderia
ser outro qualquer, agita as águas e procura reorientar de novo o PSD para a direita.
Encaro este afiar de facas da melhor cutelaria no PSD como mais uma manifestação
da tentativa desesperada de reorganização da direita, essencialmente determinada
pela alteração de combinatórias que a geringonça trouxe, não sabemos se para
ficar ou se apenas como uma experimentação para a história desvendar mais
tarde.
Imagino que o PS esteja em pulgas para compreender que pensamento eleitoral
vai ter de enfrentar, se o centro de Rio, se o puxar de galões pela passagem de
Passos pelo poder. Eu também estaria.
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