terça-feira, 8 de janeiro de 2019

O PAVÃO ORBÁN



(O artigo da New Yorker sobre o barão do nacionalismo a nível europeu traça de forma bastante completa o percurso de ascensão de Viktor Orbán na sua Hungria menos adormecida do que aparenta. Mas a dimensão mais sugestiva que o artigo anunciava, a ideia de que as pretensões de Orbán transcendem os muros da Hungria, fica-se por uma alusão que é mais palpite do que evidência segura)

A leitura dos termos com que a revista New Yorker anunciava o artigo de Elizabeth Zerofsky e o próprio título, “Viktor Orbán’s far-right vision for Europe” aguçou-me o apetite para uma leitura, saltando por cima de uma fila interminável de coisas que aguardam tempo e motivação para serem lidas. O que parecia implícito no artigo é que o posicionamento de Orbán começaria a apontar para algo mais ambicioso do que enriquecer e monopolizar o poder, eliminando adversários, ou seja, visando a afirmação na própria União Europeia. Se excetuarmos alguma evidência apresentada pela jornalista de que os movimentos nacionalistas e de extrema-direita na Europa começam a olhar para Orbán como uma liderança inspiradora, deixando assim figuras como Salvini e Marine LePen para um plano bem mais secundário, a verdade é que estamos perante meras intuições jornalísticas na antecâmara das eleições europeias.

Isso não significa que a leitura do artigo seja uma perda de tempo. Um dos aspetos mais salientes é o uso sistemático da lei, exercida com base na maioria política que lidera a partir do Fidesz, para depois a contrariar. Ou seja, tropelias e ataques à democracia praticados no âmbito estrito da lei. Esta é uma característica relevante destas formas de nacionalismo autoritário. Uma característica que aumenta a dificuldade de suster tais tendências no plano estritamente democrático: “Nos sete últimos anos, Orbán usou uma manobra que ele próprio designou de a “dança do pavão”, O seu governo integra medidas em novas leis precisamente com o objetivo de as remover”. O artigo descreve meticulosamente a ascensão política de Orbán até à posição de domínio que o Fidesz hoje exerce perante uma sociedade húngara que, longe de estar totalmente adormecida, carece dos meios de expressão e de disseminação de ideias capazes de contrariar a deriva antidemocrática construída no âmbito da lei.

Orbán faz parte de uma extrema-direita que não pretende abandonar a União Europeia, ao contrário dos irrefletidos e sonâmbulos BREXITERS. O jogo de Orbán, e isso é um aspeto a que de tem prestado menos atenção ou uma atenção muito deficiente, consiste em trabalhar por dentro. Talvez com o propósito de adaptar a União às suas pretensões nacionalistas e sobretudo livrar-se do fardo das migrações e dos refugiados. O primeiro-ministro húngaro faz gala das suas origens humildes e contam-se afirmações simbólicas como aquela que refere que só usou um quarto de banho interior depois dos quinze anos.

Ainda que o artigo pouco ou nada diga sobre as tais pretensões europeias de Orbán, pelo menos a partir da sua leitura fica-se consciente que o futuro jogo democrático na União terá de contar com lideranças como a de Orbán, sempre preparado para esticar a corda dos limites democráticos entre muros. Claro que tudo será mais ou menos evidente consoante a força que estes movimentos revelarem nas próximas eleições europeias e a magnitude da sua representação parlamentar.

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