Houve um tempo, aliás prolongado e nada longínquo, em que Carlos Ghosn foi transformado num ícone da gestão internacional, num guru elogiado por tudo e todos e apontado como exemplo a seguir pelos jovens estudantes das principais escolas de negócios do mundo. Repentinamente, eis que o mito foi praticamente desfeito e é assim que hoje já não importará tanto esmiuçar Ghosn e a sua carreira numa perspetiva de destrinça do real quantum dos atributos que então se lhe reconheciam (visão estratégica, competência técnica e capacidade de liderança) face aos que efetivamente detinha, antes sobretudo assinalar o facto de estarmos a viver num aparente “mundo novo” em que a dimensão ética e de idoneidade pessoal tendem a ser escrutinadas ou valorizadas como nunca antes acontecera.
Não que este escrutínio e esta valorização não surjam frequentemente em praça pública eivados de avaliações primárias, de acusações mal fundadas, de vinganças interessadas ou de alçapões de qualquer espécie menos sã, mas a verdade é que não deixam de se ir registando crescentes indícios de que a crise de 2008 e as suas ocorrências poderão ter conduzido o mundo económico-financeiro e os cidadãos em geral a um outro grau de exigência ou, pelo menos, a uma maior cautela em relação a práticas socialmente censuráveis que estavam no cerne do respetivo modo de estar, de agir e de funcionar.
O sucesso do libanês de origem e brasileiro de nascimento – senhor de um percurso fulgurante, que parecia uma linha reta sempre ascendente, e um gestor organicamente envolvido com a indústria automóvel e que chegou a PDG da aliança Renault-Nissan-Mitsubishi – revelou estrondosamente os seus pés de barro às mãos de vicissitudes de vária ordem – entre as quais a própria circunstância do desenvolvimento da sua atividade mais recente no Japão (então e o cross-culture management?) – que foram contribuindo para suscitar objeções sobre o seu trajeto profissional e que acabaram por atingir a sua intocabilidade até ao ponto de o conduzirem à atual preso no Japão por suspeitas de diversas dissimulações fiscais e ilicitudes financeiras.
(cartoons de Nicolas Vadot, http://www.levif.be)
A história de Ghosn ainda está a escrever-se, de momento seguramente à custa de um enorme sofrimento pessoal – surgem indicações de que estará a ser objeto de condições duras de tratamento por parte das autoridades japonesas – que vai na exata contracorrente dos excessos que se permitiu perante o endeusamento e a sensação de impunidade de que foi beneficiando durante décadas. Além de tudo o mais, esta é mais uma lição a somar a tantas outras em matéria de role models individualizados e a ter em devida consideração no cada vez mais candente debate em torno da questão de a gestão ser uma arte ou uma ciência.
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