(Ecos da reunião anual da American Economic Association
em Atlanta com foco na Richard T. Ely Lecture, este ano a cargo do incontornável
David Autor, economista do MIT já por repetidas vezes mencionado neste blogue. O futuro do trabalho ou o trabalho futuro como
tema do nosso tempo.)
Circulam por aí mapas sugestivos que representam a intensidade diferenciada
de luz vista do espaço (satélites) e a distribuição pelo mundo. Existem até metodologias
que estimam por essa via o produto de parcelas do mundo com menor qualidade de medida
do desempenho económico. Se estivesse disponível um índice que medisse em
determinado momento do tempo a intensidade de disseminação do conhecimento económico,
estou seguro que nos dias 4-6 de janeiro de 2019 teríamos no ponto Atlanta uma
fortíssima intensidade de luz.
A reunião anual da American Economic Association, regra geral no princípio
de janeiro de cada ano, representa uma concentração brutal de conhecimento,
envolvendo os consagrados (prémios Nobel que apresentam os seus papers, regra
geral com estudantes de doutoramento ou Phd’s recentes) e os que procuram a notoriedade
do primeiro paper. Só a leitura do vastíssimo programa da reunião anual nos deixa
cansados e aí compreendemos a magnitude da academia económica nos EUA. Imagino que
daqui a algum tempo, senão já agora, o equivalente chinês da reunião magna da
AEA nos deixaria também de queixo caído. Recordo que algumas funções que procuram
medir a produção de ideias colocam a demografia entre as principais variáveis
explicativas. Compreende-se: 1% de investigadores face à população ativa da
China ou de um qualquer minorca demográfico tem um significado completamente diferenciado
do ponto de vista da massa crítica absoluta onde as ideias podem emergir.
É impressionante que em reunião magna de tamanha envergadura uma conferência
em particular atraia a atenção dos economistas. A Richard T. Ely Lecture cumpre
esse critério. Regra geral, o número da American
Economic Review que dava conta dos principais outputs da conferência anual
começava pela T.Ely Lecture, o que está em linha com a minha ideia.
Este ano, sob a apresentação de Ben Bernanke, a honra da Richard T. Ely Lecture
coube a David Autor, Ford Professor of Economics no MIT, que a dedicou ao confronto
Trabalho do Passado, Trabalho do Futuro, o que também constitui uma forma de
abordagem do futuro do trabalho (link aqui). Autor, com a ajuda de alguns colegas, é
curiosamente responsável por duas áreas de pesquisa fundamentais para compreender
o estado atual da economia americana e dos debates que o mesmo tem suscitado. Por
um lado, Autor analisa o mundo do trabalho pelas consequências que o progresso
tecnológico e ultimamente a robotização determinam sobre a procura de trabalho
e de competências e os salários das profissões associadas. É essencialmente a
David Autor que se devem os avanços mais significativos na chamada evidência da
polarização dos empregos, qual como já aqui referi em tempos tem penalizado essencialmente
as chamadas qualificações intermédias, de certo modo as mais rotinizáveis, logo
passíveis de substituição por máquinas, e menos “offshorizáveis”. Por outro
lado, Autor é também líder da investigação sobre os reais impactos da economia
chinesa na desindustrialização americana.
A conferência de Autor na AEA de Atlanta é um prodígio de segurança,
sobriedade, clareza e honestidade intelectual. Autor não é seguramente um
militante ativista. Mas no domínio da sua investigação, ele é um alimentador
crucial do debate sobre o futuro do trabalho.
Num registo totalmente diferente, um Nobel de Economia, Robert J. Shiller
apresentou na reunião magna da AEA um paper muito sugestivo sobre “Narratives about Technology-Induced Job Degradation
– Then and now” (link aqui para uma versão preliminar). A forma como Shiller
integra o uso das narrativas na análise económica é uma delícia e mostra bem o
lado inventivo dos consagrados:
“O termo ‘narrativa’
é frequentemente usado como sinónimo de ‘história’, uma sequência de eventos. Mas
a palavra narrativa tem um outro aspeto muito importante. Uma narrativa é o
contar de uma história, que atribui significado e significância a ela, que
muitas vezes é entendido como proporcionando uma lição ou uma moral. Uma narrativa
pode transformar-se numa interpretação de eventos em curso comparando-os com
uma história. Com as narrativas económicas, a narrativa pode representar um
proto-modelo económico, compreensível pela grande maioria do público em geral”
No meu modesto entender, teoria económica e narrativas não se podem ignorar.
Assim, por exemplo, o populismo económico tem-se alimentado de narrativas que
se não forem confrontadas criticamente com os resultados da teoria correm o
risco de se eternizar.
Imaginem, a partir destes dois simples exemplos, a intensidade de
disseminação de conhecimento da reunião magna da AEA.
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