(Fruto da herança da campanha de Bernie Sanders nas primárias
Democratas que conduziram Hillary Clinton às eleições presidenciais americanas
de má memória, a jovem democrata Alexandria Ocasio-Cortez tem agitado e bem a política
americana, transformando-se em obsessão para os Republicanos. Graças à sua ação, a tributação dos mais ricos
está de novo na agenda política, com sério impacto no que a academia tem
escrito sobre o assunto.)
Simon Wren-Lewis tem razão (link aqui) quando
associa a tendência de baixa tributação (taxas marginais) sobre rendimentos dos
mais ricos a uma das mais efetivas consequências do neoliberalismo em termos de
política económica. As taxas que incidem sobre os escalões mais elevados de
rendimento mostram, como o gráfico acima o sugere para um universo de 20 países,
um comportamento claramente descendente. Não obstante isso, a plutocracia no
poder insiste em mais descidas.
O argumento que subjaz a esse propósito neoliberal é conhecido: baixar a
tributação de milionários e executivos com remunerações da mais pura ostentação
(o próprio Banco Santander se insurgiu recentemente contra uma contratação estrelar
que esteve eminente para a sua gestão) transformaria os CEO milionários em feras
de dinamismo e os investidores em cavaleiros do risco. Por outras palavras, a
baixa tributação libertaria recursos de inovação e dinamismo, estendendo-se em
jeito de “trickle down” a toda a
economia. A contundência de Wren-Lewis tem aqui toda a justificação: “É um exemplo clássico de utilização pelos neoliberais de uma
pitada de economia simples para justificar uma política que é vantajosa para eles
próprios e para os seus patrões”.
Na verdade, os tais “trickle down effects”
parecem invisíveis e o que vemos, pelo contrário, é a proliferação da gestão
gananciosa e a multiplicação de investimentos especulativos, economias de rendas
cujos maus resultados exigem depois volumosas quantias de dinheiro público para
acorrer a imparidades. Por isso, no estado da arte da desigualdade hoje existente
na grande maioria das economias avançadas e face à revelação da inexistência
dos tais efeitos positivos associados à descida dos impostos para os mais ricos,
a intervenção política de Ocasio-Cortez que agitou nas últimas semanas a política
americana (link aqui) está longe de não ter fundamento económico. Antes pelo
contrário, a proposta de 70% para a taxa marginal sobre os mais ricos
apresentada por Ocasio-Cortez até pode ser considerada uma proposta moderada. Os
economistas mais familiarizados com a teoria macroeconómica recordam-se, por
exemplo, que um dos artigos seminais sobre a matéria, o de Peter Diamond e o de
Emmanuel Saez, aponta para uma taxa ótima de 73% para a economia americana, tendo
já em conta os efeitos de desincentivo e de evasão fiscal. É ainda curioso como
o discurso neoliberal ignora a tão conhecida utilidade marginal decrescente do
consumo, tanto mais apelativa quanto mais elevado é o rendimento a partir do qual
se avalia a utilidade do consumo marginal.
O que significa que o retorno social da descida de impostos compensa
claramente os eventuais desincentivos associáveis à subida de impostos para os
mais ricos.Emmanuel Saez e Gabriel Zucman escreveram no New York Times um vigoroso artigo de opinião de suporte às posições de Ocasio-Cortez (link aqui).
Pergunta-se: mas não há efeitos negativos decorrentes do aumento das taxas
marginais para os mais ricos que devam ser ponderados? Sim, eles existem e prendem-se
sobretudo com a mobilidade possível do investimento e do capital, em busca de paraísos
fiscais propriamente ditos ou, pelo menos, de países com taxas marginais de
imposto mais baixas. O argumento tem alguma evidência, mas não tanto nas economias
de maior dimensão. O que quer isto dizer é que para economias com a dimensão de
Portugal a elasticidade da fuga tem de ser ponderada na comparação custo-benefício,
mas o meu objetivo não era discutir a questão no quadro da economia portuguesa.
Curiosamente, à boleia de Bradford DeLong (link aqui) deparei com os dois
gráficos acima nos quais se comparam para os períodos de 1975-1979 e de 2004-2008
as quotas de rendimentos dos 1% mais ricos com as taxas marginais de imposto
que sobre eles incidem. É visível que a economia portuguesa não esteve fora da
tendência: quotas de rendimento mais baixa e taxas marginais elevada no antes e
o contrário no depois.
Admito que a elasticidade de fuga e de evasão em Portugal seja mais elevada
do que nos países em que este debate está essencialmente centrado, Reino Unido e
EUA. Mas isso não significa que a matéria se transforme em mais um tabu da política
portuguesa.
Sem comentários:
Enviar um comentário