quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

TUBARÕES E MONOPSÓNIOS



(A economia americana é uma fonte inesgotável de desenvolvimentos temáticos para a teoria económica e para a macroeconomia. Em 2018, houve um tema que irrompeu no debate económico preocupado com as questões da desigualdade, mais propriamente a influência do poder de mercado de algumas grandes empresas no mercado de trabalho)

Já houve tempo em que alinhei com a opinião de que nos países da União Europeia era fundamental contribuir para a conceção de manuais de macroeconomia menos moldados à evidência da economia americana e mais ajustados ao modelo económico europeu. Hoje tenho uma opinião mais matizada sobre o assunto. Não porque não esteja satisfeito com algumas tentativas que surgiram orientadas para esse desiderato. Mas fundamentalmente porque a economia americana se tem revelado pioneira no desenho de certas tendências que mais tarde ou mais cedo se colocam às economias europeias.

Esse é o caso da progressiva atenção que a economia de monopsónio (monopólios ou quase monopólios de procura e não de oferta) está a suscitar no debate económico americano, aliás com laços intensos de relacionamento com a questão da desigualdade que 2018 continuou a colocar no centro do debate interessado num rumo para a social-democracia e para o socialismo democrático. É conhecida a relevância que alguns gigantes empresariais com origem nos EUA (Amazon, Google, Apple, WalMart e outros que tais) assumem em termos do poder de mercado que têm vindo a concentrar. Essa relevância é tanto mais perniciosa quanto se sabe que nos EUA os caminhos da regulação de trusts e outras formas de concentração empresarial têm vindo a ser flexibilizados, mais rigorosamente fragilizados, com o argumento de que essa agilização dos mecanismos de controlo libertará forças de investimento e de crescimento de que as economias carecem para gerar o emprego pretendido.

Mas tais gigantes ou tubarões não se limitam a aumentar esse poder de mercado, gerador de margens que perderam há muito as vestes da concorrência putativamente conduzindo a níveis mais elevados de eficiência. Vistos do lado do mercado de trabalho, esses tubarões representam verdadeiros monopsónios da procura de trabalho, já que os seus grandes conglomerados tendem a dominar os mercados de trabalho de várias regiões e a rebaixar continuamente salários, senão mesmo e em termos articulados, a pressionar descendente e simultaneamente salários e graus de cobertura e representação sindical. O UC Berkeley Center for Labor Research and Education publicou em tempos uma conhecida investigação empírica que mostra o efeito de rebaixamento de salários que os armazéns Wal-Mart tendem a provocar nos mercados de trabalho das regiões em que se implantam. O efeito de rebaixamento de salários provocados pelo monopsónio de procura de trabalho representado por estes tubarões é aliás apontado como um dos fatores explicativos da muito forte moderação do crescimento salarial num período em que o desemprego natural ou incompressível está prestes a ser atingido. Estamos por isso longe da cantilena de que o salário é determinado pela produtividade marginal do trabalho. Onde deveria estar esta última em período de quase desemprego natural e consequentemente com os salários reais a subirem em função da escassez de mão-de-obra? Seguramente que bem mais acima do que a relativa moderação do crescimento salarial o sugere.

O Washington Center for Equitable Growth (link aqui) tem dedicado uma grande parte do seu esforço recente como think-tank preocupado com as questões da desigualdade a denunciar os abusos do poder de mercado seja em termos do contributo para a baixa representação sindical, seja em termos de força de pressão descendente dos salários.

Por mais sugestiva e apelativa que seja a sedução tecnológica que irradia destes gigantes ou tubarões, ignorar que os abusos de poder de mercado constituem um decisivo fator de agravamento da desigualdade paga-se caro e é necessário que a social-democracia o reconheça.

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