(A economia americana é uma fonte inesgotável de desenvolvimentos
temáticos para a teoria económica e para a macroeconomia. Em 2018, houve um tema que irrompeu no debate
económico preocupado com as questões da desigualdade, mais propriamente a influência
do poder de mercado de algumas grandes empresas no mercado de trabalho)
Já houve tempo em que alinhei com a opinião de que nos países da União
Europeia era fundamental contribuir para a conceção de manuais de macroeconomia
menos moldados à evidência da economia americana e mais ajustados ao modelo
económico europeu. Hoje tenho uma opinião mais matizada sobre o assunto. Não
porque não esteja satisfeito com algumas tentativas que surgiram orientadas
para esse desiderato. Mas fundamentalmente porque a economia americana se tem
revelado pioneira no desenho de certas tendências que mais tarde ou mais cedo
se colocam às economias europeias.
Esse é o caso da progressiva atenção que a economia de monopsónio (monopólios
ou quase monopólios de procura e não de oferta) está a suscitar no debate económico
americano, aliás com laços intensos de relacionamento com a questão da
desigualdade que 2018 continuou a colocar no centro do debate interessado num
rumo para a social-democracia e para o socialismo democrático. É conhecida a
relevância que alguns gigantes empresariais com origem nos EUA (Amazon, Google,
Apple, WalMart e outros que tais) assumem em termos do poder de mercado que têm
vindo a concentrar. Essa relevância é tanto mais perniciosa quanto se sabe que
nos EUA os caminhos da regulação de trusts e outras formas de concentração
empresarial têm vindo a ser flexibilizados, mais rigorosamente fragilizados,
com o argumento de que essa agilização dos mecanismos de controlo libertará
forças de investimento e de crescimento de que as economias carecem para gerar
o emprego pretendido.
Mas tais gigantes ou tubarões não se limitam a aumentar esse poder de
mercado, gerador de margens que perderam há muito as vestes da concorrência
putativamente conduzindo a níveis mais elevados de eficiência. Vistos do lado
do mercado de trabalho, esses tubarões representam verdadeiros monopsónios da
procura de trabalho, já que os seus grandes conglomerados tendem a dominar os
mercados de trabalho de várias regiões e a rebaixar continuamente salários, senão
mesmo e em termos articulados, a pressionar descendente e simultaneamente salários
e graus de cobertura e representação sindical. O UC Berkeley Center for Labor Research and Education publicou em
tempos uma conhecida investigação empírica que mostra o efeito de rebaixamento
de salários que os armazéns Wal-Mart tendem a provocar nos mercados de trabalho
das regiões em que se implantam. O efeito de rebaixamento de salários provocados
pelo monopsónio de procura de trabalho representado por estes tubarões é aliás apontado
como um dos fatores explicativos da muito forte moderação do crescimento
salarial num período em que o desemprego natural ou incompressível está prestes
a ser atingido. Estamos por isso longe da cantilena de que o salário é
determinado pela produtividade marginal do trabalho. Onde deveria estar esta última
em período de quase desemprego natural e consequentemente com os salários reais
a subirem em função da escassez de mão-de-obra? Seguramente que bem mais acima
do que a relativa moderação do crescimento salarial o sugere.
O Washington Center for Equitable Growth (link aqui) tem dedicado uma grande parte
do seu esforço recente como think-tank
preocupado com as questões da desigualdade a denunciar os abusos do poder de
mercado seja em termos do contributo para a baixa representação sindical, seja
em termos de força de pressão descendente dos salários.
Por mais sugestiva e apelativa que seja a sedução tecnológica que irradia
destes gigantes ou tubarões, ignorar que os abusos de poder de mercado constituem
um decisivo fator de agravamento da desigualdade paga-se caro e é necessário que
a social-democracia o reconheça.
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