(Segundo os correspondentes do Financial Times em Bruxelas, a União
Europeia, com base num relatório sobre o tema, recomendará hoje aos
estados-membros especial vigilância sobre a atribuição de vistos de cidadania,
no âmbito do que se designa, regra geral, de Vistos Gold. Uma boa oportunidade para reafirmar a minha tese
de que estamos perante um instrumento de política que, para além desses riscos,
não está em linha com o estado da arte do modelo de desenvolvimento da economia
portuguesa.)
Já por mais de uma vez enunciei a minha oposição frontal à permanência
deste instrumento de política de captação de investimento, não necessariamente
pelos riscos de atração de gente indesejável e de condições de lavagem de dinheiro,
mas porque não corresponde ao modelo de atração de investimento que o estádio e
os desafios de desenvolvimento da economia portuguesa exigem. A chamada de
atenção da Comissão Europeia para os riscos deste instrumento de venda de vistos
de cidadania pode ser uma oportunidade para reconsiderar a sua utilidade.
A notícia do Financial Times (link aqui) associa o alerta da Comissão Europeia à evidência
crescente de que a atribuição de passaportes europeus através de mecanismos do
tipo Vistos Gold apresenta condições de reduzida transparência em países como
Malta, Chipre e Bulgária, para não falar do mais recente escândalo do ramo
estoniano do banco dinamarquês Danske Bank que foi apanhado num processo de
lavagem de dinheiro proveniente das sequelas do desmembramento da União Soviética.
Verdade se diga que as experiências de Espanha e de Portugal nesta matéria não
aparecem associadas, pela leitura que o FT faz do referido relatório da Comissão,
aos males de baixa transparência observada naqueles três países. Não me custa
admitir que os mecanismos de supervisão a que os bancos portugueses estão
sujeitos impedirão que os Vistos Gold sejam necessariamente uma porta aberta ao
crime internacional organizado (há máfias para todos os gostos nestes mundo). Mas
não é essa a questão relevante.
O que vale a pena discutir é a bondade do instrumento de política pública e
se os seus objetivos, para além de estarem ou não a ser atingidos, correspondem
ao modelo de atração de investimento e de pessoas que a economia portuguesa presentemente
necessita.
Inicialmente, os Vistos Gold possibilitaram alguma resiliência de animação
no mercado imobiliário de topo, o que face ao estado desgraçado em que o
ajustamento Troika deixou a construção civil portuguesa, contribuiu para criar
condições de reanimação de mercado, embora muito circunscrito a Lisboa. A
partir do momento em que o mercado interno de construção civil começou a
retomar a sua dinâmica em que somos pródigos, cujos melhores indicadores são a
escassez de mão-de-obra, o diferimento de obras e a evolução dos preços de
construção, associou-se também a perceção de um mercado especulativo em formação.
Do ponto de vista de atração de investimento direto estrangeiro produtivo e de
emprego qualificado não há qualquer evidência credível de que o instrumento
esteja a facilitar esse processo. Assim sendo, e sem receio de sermos acusados
de generalização precipitada, os Vistos Gold estarão, antes pelo contrário, a
reforçar novas tendências de regresso aos não transacionáveis, algo de indesejável
numa economia no estádio de desenvolvimento em que nos encontramos. Já estou a
retirar da equação as reações negativas que tal instrumento suscitou em países
como a Finlândia e a Suécia que não gostaram de ver o seu poder de punção
fiscal perturbado pela atração de nacionais endinheirados desses países à procura
de uma carga fiscal menos pesada.
A alocação de recursos que os Vistos Gold estarão a potenciar não estão em
linha com o tipo de alocação que a economia portuguesa necessita. Nem é claro o
impacto em termos de poder de compra interno que tal atração induzida de titulares
de rendimentos elevados está a determinar.
O que sabemos, pelo contrário, é que o Sistema Nacional de Inovação e o
sistema científico nacional exigem hoje mais do que nunca atração de talentos e
de candidatos a processos de doutoramento, cuja procura nas áreas mais tecnológicas
está fortemente penalizada pela fluidez da procura de trabalho qualificado. Ora,
para além de iniciativas das próprias Universidades, sem grandes meios para oferecer,
a atração de talentos e de alunos para doutoramento carece totalmente de meios
e de instrumentos de política. Talvez não fosse má ideia desviar os recursos públicos
implícitos nos Vistos Gold para uma afetação de recursos mais em linha com as presentes
necessidades de desenvolvimento. Não é pela desconfiança que possa pairar sobre
a sua atribuição. É antes sobre a avaliação custo-benefício desse instrumento
face a outras necessidades de atração.
Estará alguém no Governo a pensar nisto? Talvez o relatório da Comissão
Europeia desperte alguma atenção para o problema (link aqui para o referido relatório).
Sem comentários:
Enviar um comentário