quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

O SEU NOME É GAL




(Temi o pior. Confundi-me com a hora de início, cheguei demasiado cedo à Casa da Música e receei que Gal tivesse caído no esquecimento dos portuenses. Afinal, meia hora depois, a Suggia encheu e aquela voz metálica, inconfundível, ressoando ainda a tropicalidade, aqueceu de novo o ambiente.)

À medida que vamos envelhecendo e que os artistas da nossa afeição nos vão acompanhando nessa caminhada, sobre a ida a qualquer espetáculo paira sempre o risco desses rituais se transformarem em romagens afetivas. Verdade se diga que não tenho tido más surpresas. Ainda há dois verãos, vi em Faro uma performance notável de Elsa Soares, cuja idade avançada já exige a sua presença imóvel no palco, como se de uma santa ou mãe de afeto em altar sagrado se tratasse, mas ainda com a voz e o sentido de luta praticamente intactas, proporcionando uma atuação combativa e de luta permanente pelo estatuto e liberdade da mulher brasileira.

Gal é bem mais nova apesar dos seus 53 anos de carreira, tem uma presença no palco ajustada ao seu peso atual, mas continua com uma coragem notável para experimentar a mudança, a experimentação de novos ritmos e sonoridades e novo repertório, o que mostra que temos Mulher para nos acompanhar no envelhecimento, tão ativo quanto o possível. Desta vez, Gal trouxe-nos essencialmente um espetáculo centrado no seu novo disco A Pele do Futuro, extremamente bem recebido por uma crítica que sublinhou sobretudo o não acomodamento da artista, a sua vontade permanente de experimentar novas coisas, como se o tropicalismo tivesse deixado sementes para uma contínua experimentação. Um espetáculo envolvente de luz e sonoridades do mais “hard” (que torna difícil o nosso relacionamento com o sortilégio da sua voz) até ao diálogo mais íntimo com as teclas, passando por alguns exemplos de incursão pela “dance music”, que foi conquistando o público até aos encores finais de grande exaltação com músicas de outros tempos e álbuns, já com toda a Suggia a dar o seu pé de dança, claro toda a sala menos este incorrigível “pé de chumbo”.

Aquela Voz única, que ressoa em nós e nos desperta para sonoridades que nos abanam e aquecem, continua lá, não direi intacta, mas ainda única, irradiando tropicalidade.

Longa vida para Gal e até a uma próxima.

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