(Temi o pior. Confundi-me com a hora de início, cheguei
demasiado cedo à Casa da Música e receei que Gal tivesse caído no esquecimento
dos portuenses. Afinal,
meia hora depois, a Suggia encheu e aquela voz metálica, inconfundível,
ressoando ainda a tropicalidade, aqueceu de novo o ambiente.)
À medida que vamos envelhecendo e que os artistas da nossa afeição nos vão
acompanhando nessa caminhada, sobre a ida a qualquer espetáculo paira sempre o
risco desses rituais se transformarem em romagens afetivas. Verdade se diga que
não tenho tido más surpresas. Ainda há dois verãos, vi em Faro uma performance
notável de Elsa Soares, cuja idade avançada já exige a sua presença imóvel no
palco, como se de uma santa ou mãe de afeto em altar sagrado se tratasse, mas ainda com a voz e
o sentido de luta praticamente intactas, proporcionando uma atuação combativa e
de luta permanente pelo estatuto e liberdade da mulher brasileira.
Gal é bem mais nova apesar dos seus 53 anos de carreira, tem uma presença
no palco ajustada ao seu peso atual, mas continua com uma coragem notável para
experimentar a mudança, a experimentação de novos ritmos e sonoridades e novo
repertório, o que mostra que temos Mulher para nos acompanhar no
envelhecimento, tão ativo quanto o possível. Desta vez, Gal trouxe-nos
essencialmente um espetáculo centrado no seu novo disco A Pele do Futuro, extremamente
bem recebido por uma crítica que sublinhou sobretudo o não acomodamento da
artista, a sua vontade permanente de experimentar novas coisas, como se o
tropicalismo tivesse deixado sementes para uma contínua experimentação. Um
espetáculo envolvente de luz e sonoridades do mais “hard” (que torna difícil o
nosso relacionamento com o sortilégio da sua voz) até ao diálogo mais íntimo
com as teclas, passando por alguns exemplos de incursão pela “dance music”, que foi conquistando o
público até aos encores finais de grande exaltação com músicas de outros tempos
e álbuns, já com toda a Suggia a dar o seu pé de dança, claro toda a sala menos
este incorrigível “pé de chumbo”.
Aquela Voz única, que ressoa em nós e nos desperta para sonoridades que nos
abanam e aquecem, continua lá, não direi intacta, mas ainda única, irradiando
tropicalidade.
Longa vida para Gal e até a uma próxima.
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