sábado, 17 de outubro de 2020

UMA FALHA DE MERCADO?

 

                                        (New York Times)

(Praticamente por todo o mundo, são inúmeros os casos de Universidades que reabriram em pleno desconfinamento com maus resultados em termos de contenção da disseminação do COVID-19. Existe até alguma evidência de que os resultados no ensino superior são mais gravosos do que nos restantes níveis de ensino, básico e secundário. O que me parece relevante hoje sublinhar é que existem explicações de natureza económica para compreender esses piores resultados, de certo modo antecipáveis. Os conceitos de externalidades, neste caso negativas, e de falhas de mercado são úteis para compreender o que está a acontecer.)

A base deste post é um artigo de Sarah Cohodes e de Susan Dynarski no New York Times (link aqui), tendo por referência o que se tem passado nos EUA, mas que com as devidas cautelas pode ser aplicável a outras realidades, incluindo o que pode estar a acontecer nas universidades portuguesas. O artigo foi-me sugerido pelo meu filho Hugo Figueiredo através de um post oportuno no Facebook enquanto observador atento das falhas de coordenação observadas em pleno processo de desconfinamento.

As economistas acima referidas recordam-nos que os ambientes universitários, particularmente os seus campi, desempenham uma função essencial: “As universidades e as cidades universitárias estão destinadas a maximizar a interação social, gerando oportunidades pessoais e profissionais para toda uma vida. Mas numa pandemia, as atividades de brainstorming, de conversar, rede e socialização geram externalidades negativas, por isso as autoridades universitárias tentaram utilizar normas e punições que impedissem os estudantes de se juntar. Expulsaram os violadores dessas normas e recorreram a formas de treino para estimular comportamentos seguros.”

A pergunta inevitável e lógica consiste em saber porque é que os campi não foram encerrados por períodos mais prolongados, tendo em conta que embora não sem desigualdades as aulas à distância ou combinações de ensino presencial e à distância são mais facilmente implementáveis no ensino universitário e politécnico do que nas restantes escolas do sistema educativo?

A situação americana e também a inglesa oferecem condições para explicar a situação observada com base na incapacidade que os mercados têm de resolver os problemas das externalidades neste caso negativas. A verdade é que naqueles dois países o desinvestimento público no ensino superior foi flagrante, conduzindo todo o sistema a uma procura desenfreada de receitas próprias que só obviamente as universidades de elite. As restantes, atingidas por um lado pela perda de fundos públicos e por outro pela queda de rendimento das famílias gerada pelos efeitos económicos da pandemia, viram-se forçadas a reabrir o mais depressa possível os seus campi e as aulas presenciais como forma de minimizar a perda de receitas e a preservação do seu funcionamento, não defraudando por exemplo estudantes estrangeiros, como sucedeu especialmente em Inglaterra. A isto chama-se uma reação típica de mercado. Claro que as universidades mais robustas puderam realizar avultados investimentos em testagem, a rastreabilidade dos seus estudantes e em condições de quarenta. A ciência potenciou essa reação e a capacidade económica das universidades mais robustas permitisse esses investimentos, mas nenhuma força de mercado forçou as universidades a ter em consideração as consequências negativas da reabertura dos campi. Tal como acontece em qualquer situação de falha de mercado (determinada neste caso por uma externalidade negativa), a situação só poderia ser resolvida através de uma intervenção pública coordenada com várias dimensões entre as quais a subsidiação de propinas ou das universidades.

Algo de próximo está a suceder em Portugal onde a pressão ministerial para a reabertura adas aulas presenciais e a própria necessidade das universidades não perderem receitas levou também à reabertura. O contágio de estudantes Erasmus terá sido a principal falha do sistema e o que dá a entender é que as diferentes universidades foram libertadas à sua sorte. Ou seja, para as matérias correntes a autonomia universitária é uma treta, mas para situações de exceção parece que a autonomia afinal existe para penalização de uma ação pública coordenada como seria necessária. E tal como sucedeu com o declínio demográfico, que não foi no tempo certo antecipado pelos nossos centros de conhecimento que são as universidades, também parece que em matéria de pandemia vamos pelo mesmo caminho.

Por isso, compreendo bem o desabafo do meu filho Hugo Figueiredo no seu post no Facebook, (link aqui) desfiando o conjunto de evidências:

A insistência - por teimosia e negação - no regime tendencialmente presencial no ensino superior, mesmo em contexto de emergência. A normal e inútil saturação de todos. A pressão de um ministro sobre as organizações como resposta à tendência e ao interesse político do momento. O desinteresse e a incapacidade para perceber a impossibilidade logística de soluções viáveis no terreno por parte de quem decide e de quem tem que liderar, a começar no próprio ministro. A "responsabilidade individual" (de alunos, docentes e funcionários) como desculpa para a falta de coordenação e tomada de decisão coletiva. Os medos e interesses das instituições de curto-prazo em conflito com o interesse coletivo e o médio-prazo. A responsabilidade das instituições a acabar à porta das salas, dos edifícios. Os alunos internacionais atraídos em tempo de pandemia. A utilização de métricas normais (como a capacidade de atrair o mesmo número de estudantes internacionais ou aumentá-lo) em tempos anormais de pandemia.

Todos são exemplos do mesmo fenómeno. A pandemia vira tudo ao contrário e transforma o ensino superior numa gigantesca falha de mercado! Desde há dois meses, pelo menos, que há evidência suficiente de outros países para perceber isto mesmo.”

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