quinta-feira, 15 de outubro de 2020

DAMÁSIO EM ENTREVISTA

Alguém cujo modo de ser e estar aprendi a valorizar chamou a minha atenção para a notável entrevista (“A Política é Medicina numa Larga Escala”) concedida por António Damásio a Clara Ferreira Alves num “Expresso” recente. Selecionei acima um pequeno excerto que me foi especialmente recomendado, nele se abordando as baixas e primárias paixões (como a raiva, o medo ou a inveja) enquanto categoria dos afetos eminentemente destrutiva, não proporcionadora de bem-estar e concorrendo para a perda de homeostase – disso procurarei tomar boa nota. Mas a entrevista é uma peça de grande espessura que só lida e refletida na integralidade ganha o seu devido sentido, simultaneamente confrontativo e afirmativo. Nela se fala de pensar sobre o que se está a passar biologicamente, de relacionar a vida humana complexa com o meio cultural, de perceber como seres cujo estatuto vivo é discutível e que estão abaixo das bactérias conseguem provocar tal destruição. Ou de termos de nos preocupar com as numerosas espécies com uma vida social complexa e com estruturas de comportamento e cerebrais muito próximas das nossas, de não podermos aceitar o sofrimento e morte de seres humanos mas de termos de ter a consciência moral do sofrimento de outras criaturas, de termos de ter um forte sentido de alerta perante o desgoverno climático. Ou, ainda, da curiosidade de situações sociopolíticas atuais (assalto à democracia), da relação entre sociedades não-democráticas e a consequente remoção da saúde, da evidente ameaça de colapso à necessidade de motivar a resiliência. Ou, também, da fragmentação da ciência e da dificuldade em tudo abarcar numa só mente versus a potenciação de novas abordagens pelas novas tecnologias, do cuidado extremo com o cognitivo ao respeito pelos afetos, da valorização do sentimento enquanto base para a existência de consciência. E de tanto mais, explicita ou implicitamente. Como naqueles toques finais sobre a sociedade americana em aparente desagregação política, social e sanitária de onde ressaltam muita incerteza e algum temperado pessimismo (entre um “é difícil acreditar que tudo isso vai sucumbir” e um “o que nos aguarda é um considerável sofrimento”), tudo desembocando na opção por um “eterno otimismo”. Sugiro vivamente uma leitura completa.

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