(Imagem verificada pelo Polígrafo da SIC)
(Na mente de algumas pessoas dá a impressão que existe a convicção de que entre a última pandemia e a que presentemente nos atormenta não se verificaram alterações de vulto na gestão comunicacional da mesma. Tudo se passa como se reconhecer essa diferença equivalesse simplesmente a aparecer e muitas vezes. O problema é que a salvaguarda da coerência da mensagem passou a ser o grande fator crítico e nessa matéria ...)
Devo dizer, antes de mais, que nutro o máximo respeito possível pelas pessoas que, no plano político e no plano técnico-científico, se ocupam hoje das questões da saúde em Portugal e dão a cara pela comunicação. E não é pelo facto de serem duas mulheres, Marta Temido e Graça Freitas, quem assume as funções de maior exposição e responsabilidade que o meu respeito e consideração mudam um centímetro que seja em termos de posicionamento. Muito dificilmente dois outros responsáveis, mulheres ou homens não importa e aqui a alarvidade à la Júdice tem de ser ferozmente combatida, fariam melhor nas condições de exposição e de brutal pressão a que aqueles órgãos estão hoje submetidos.
O que efetivamente me preocupa é a dificuldade que se tem registado em distinguir entre coerência da mensagem que se comunica e intensidade de presença na comunicação. Arriscaria dizer que quanto mais predominar a tentação de por cá aquela palha emitir uma mensagem comunicacional mais provável será a perda de coerência.
Há imagens que destroem coerência num ápice, particularmente quando essas imagens respeitam a uma decisão em si já controversa, pois assenta numa seleção de prioridades que incomoda o mais santo e recatado. A decisão de autorizar o número de pessoas anunciado para a corrida de Fórmula 1 no autódromo do Algarve, precisamente no momento mais crítico da pandemia em Portugal e na Europa, constitui um rastilho de incoerência possível.
A avaliação de risco realizada pela Direção-Geral de Saúde, e obviamente pelo Governo, não somos parvos embora por vezes nos queiram fazer de parvos, não teve em conta um fator que não vi ainda colocado e por isso trago aqui a questão. Ao contrário do futebol, em que a capacidade nacional de coordenação logística e realização de grandes eventos em circunstâncias de grande pressão de massas está devidamente testada, foi dado ao Autódromo do Algarve um atestado de capacidade que nunca tinha sido devidamente avaliado. O risco era obviamente elevado. Podem dizer-me que a coincidência da transmissão televisiva ter cabido à Eleven Sports, por isso com uma significativamente menor capacidade de gerar audiência, tendeu a minimizar o problema da imagem. Em parte é assim, mas a comunicação social tratou obviamente de estender essa audiência e as imagens da total indisciplina de ocupação de algumas bancadas (é difícil em televisão perceber a dimensão quantitativa dessa indisciplina em termos de percentagem de bancadas e de ocupação objeto dessa indisciplina).
Bem pode a respeitável Dra. Graça Freitas desvalorizar a dimensão da indisciplina e até pode acontecer que por divina proteção a dimensão do contágio efetivamente registado seja diminuta. Mas o essencial é a incoerência da mensagem da comunicação que aquelas imagens transportam consigo. Dizia-me ontem alguém relevante na Cidade que, ao mesmo tempo que eram visíveis aquelas mensagens, recebia a comunicação das autoridades competentes que não poderia caçar nos próximos dias devido à pandemia. Quantas outras revelações por incoerência de comunicação terão sido percecionadas nos dias do autódromo? Depois não me vejam dizer que os pronunciamentos como o do Bastonário da Ordem dos Médicos, considerando aquelas imagens um insulto aos profissionais de saúde, são populistas. Não morro de amores pelo estilo do Bastonário e por algumas posições da Ordem, mas quem pode atirar uma pedra à sua consideração?
Por isso, os desafios do mundo comunicacional de hoje são essencialmente os da coerência da mensagem.
Há questões de forma, também, mas essas não são essenciais, em meu entender. Podem dizer-me que a conferência de imprensa de ontem ao princípio da noite da Ministra Marta Temido suscita muitas interrogações desse tipo. Uma má coordenação entre a presença da Ministra e as televisões que a cobriram determinou que as câmaras estivessem focadas na Ministra quando ela comunicava em função dos quadros e tabelas onde informação rigorosa era apresentada aos portugueses. A atenção da câmara puxava o espectador para o “tira-põe e tira” dos óculos da ministra em vez de se focar na importância daquelas tabelas e até podemos discutir se as tabelas funcionam em termos de comunicação. Tudo isso pode ter a sua importância, mas a conferência de imprensa da Ministra não gerou qualquer incoerência de mensagem.
O autódromo sim e de que maneira, paradoxalmente com ampliação para o exterior, quando se presume que a pressão para a sua realização veio de uns quartos de hotéis ocupados e da projeção turística da Região. A transmissão terá sido seguramente mais vista lá fora do que cá dentro. Por isso, há incoerência não só no foco da comunicação pandémica, como paradoxalmente na projeção exterior, mesmo que os pilotos e respetivas equipas tenham ficado fãs do recinto e da pista.
Sem comentários:
Enviar um comentário