(Feriado com a neblina sobre o Coura e o Minho e Santa Tecla também a fazer-me companhia, registando que o vírus se tem acercado do poder lá por fora, nas também cá por dentro. Continuo na minha, com a esperança que esta nova notoriedade possa contribuir para uma outra sensibilidade da população em geral para as regras de comportamento, embora me pareça que tal não vai funcionar para os alucinados apoiantes de Trump.)
Depois da saga pelas bandas e interiores da Casa Branca, coube-nos a nós e ao Conselho de Estado convocado por Marcelo provar do possível veneno viral, agravado pela presença da presidente da Comissão Europeia e pelo mediatismo que poderia estar associado a uma possível infeção. Já percebemos que a transmissão viral é mestre das ironias. Quem imaginaria que uma pessoa cuidadosa, inteligente, que muito e bem se resguardou em pleno confinamento, com condições únicas de vida como António Lobo Xavier seria traído sabe-se lá por que fonte de contágio? Face aos resultados de testes negativos entre os conselheiros, alguns já de idade avançada, que vão sendo conhecidos, uma coisa parece poder ser inferida e que exige a maior divulgação. As máscaras terão funcionado bem como elemento de proteção relevante numa sessão do Conselho de Estado convocado dentro das normas mais restritas e imagina-se que sem as algazarras de discursos cruzados. O Professor espanhol José-Luís Jiménez da Universidade de Boulter no Colorado USA bem tem-se esforçado por avisar que a transmissão por aerossóis é a mais importante e disso é evidência o seu mais recente paper, transformado em GOOGLE doc para mais generalizada divulgação (link aqui). Imagina-se que uma reunião educada do Conselho de Estado terá permitido apenas intervenções individuais sem diálogos cruzados e com isso a emissão de aerossóis terá sido bem mais equilibrada do que o que seria produzido numa reunião algazarra. E para mais o respeito escrupuloso pelo uso das máscaras tendeu a favorecer o nível alto de proteção. É claro que há sempre os corredores, mas pela maneira como as televisões deram conta da saída dos conselheiros poderá estimar-se que o risco de ajuntamentos na reunião foi praticamente nulo.O alcance de uma boa prática nestas matérias é imenso, só esperando que os restantes testes continuem a ser todos negativos.
Claro que a infeção de António Lobo Xavier pode ser perfeitamente aleatória e não estar necessariamente associada ao maior ritmo de crescimento de casos que estamos a viver neste momento, com a tragédia dos lares por todo o país, até aqui por Seixas a poucos quilómetros do meu refúgio. Há uma regra estatística básica. Quando os ritmos de contágio são baixos desce a probabilidade de conhecermos alguém próximo com infeção. Quando eles aumentam essa probabilidade aumenta. Esta semana um coleguinha de uma das minhas netas na escola surgiu infetado, uma pessoa de família relativamente próxima teve de despistar felizmente com resultado negativo uns sintomas equívocos e agora a notoriedade do Conselho de Estado completa o rol. Não será por acaso.
Nos EUA, em plena Casa Branca assistimos ao desvario da manipulação da informação e um presidente arrogante, inculto e suicidário sai do hospital para uma incursão em automóvel para manifestar a sua força perante a carga viral para fúria de cientistas e médicos em geral e gáudio dos seus alucinados apoiantes.
Termino citando um excerto de um texto pungente que o escritor americano Richard Ford assina no El País semanal:
“ (…) Hoje sinto um desconcertante silêncio sobre esta terra. No meio de uma tempestade perfeita causada por uma situação perigosa de tumulto nacional – aí temos um desobediente presidente que se dedica a avivar a violência pública, os protestos emergentes nas nossas cidades, as tormentas monumentais e os incêndios florestais que roubam vidas e engolem propriedades, uma economia desorientada e uma pandemia que cresce desorientada – dá a impressão que estamos simplesmente à espera. À espera de ver quem ganha, é certo, mas também impacientes por saber o que vai passar-se depois. É como um substrato de gelo silencioso permanecesse debaixo da barulhenta mistura social que define os EUA, mantendo-nos quietos nos nossos sítios. Ao fim e ao cabo, a maioria dos votantes já decidiu o seu voto e já não se preocupam demasiado em ler os jornais e a seguir a atualidade pela televisão. A COVID-19 alterou pela força o nosso sentido do tempo, gerando um presente longo e surpreendente. A arremetida constante de perfídias incompreensíveis por parte do poder executivo prejudicou o nosso sentido de autodeterminação. Sinto o país em que passei os 76 anos da minha vida a uma estranha distância e desde onde me encontro não vejo nada claro. Tudo está a acontecer a poucas semanas das eleições mais transcendentes da vida de todos os americanos. Desta distância virtual e perturbadora, o meu país parece-me cada vez mais um daqueles países que pode cair. Nunca me tinha sentido assim, nem sequer no período mais cru da guerra do Vietname, nem sequer com os atgentados do 11 de setembro de 2001.
Por outras palavras, na América respira-se o perigo. Sentimos que não podemos continuar assim indefinidamente, que deveríamos estar a fazer alguma coisa para nos ajudarmos a nós próprios, mas estamos estranhamente constrangidos, pregados ao chão (…)”.
De facto, tudo se passa do lado de lá do Atlântico, mas é algo que me toca tão perto e espero que a muito mais gente.
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