Nº de casos confirmados- dia
(Já há alguns dias que as “minhas” polinomiais anunciavam preocupação e aqui estamos nós com dois mil casos por dia e elevada probabilidade de aumento deste número ainda antes de um outono mais invernoso nos poder infernizar a vida. Tal como sucedeu na primeira onda, também neste recrudescimento do problema a palavra de Filipe Froes inspira de novo a confiança de que todos precisamos.)
Estimava-se que uma gestão competente do desconfinamento da economia e da sociedade pudesse minimizar a intensidade de manifestação desta segunda onda da pandemia. Mas algo não está a funcionar e até sabemos algumas das dimensões do que está na origem dessa gestão menos competente.
Atrevo-me a destacar três elementos.
O primeiro é claramente o problema dos assintomáticos e de não sabermos ainda com rigor qual é o seu poder de contágio, tal como o explica o pneumologista Filipe Froes médico no Hospital Pulido Valente e coordenador do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos. Esta voz serena e avisada explica-nos em entrevista ao Jornal i que os assintomáticos foram a principal causa das dificuldades em achatar a curva dos contágios na primeira onda e tudo indica que continua a exercer o seu papel nesta nova fase, agora em desconfinamento e tentativa a todo o custo de não regressar ao encerramento da economia para além das funções básicas.
Ainda não percebi qual a política das autoridades de saúde relativamente aos assintomáticos. Tudo levaria, e a palavra de Froes confirma-o, que o aumento da capacidade de testagem e o aumento da periodicidade dessa testagem em áreas de maior exposição seriam os focos de tal abordagem. A capacidade de testagem pelos números internacionais não tem descido, como o prova o número de cerca de 28.000 testes realizados num dia apenas na semana anterior, mas os sinais que tenho é que esse aumento não está a ser direcionado para identificar assintomáticos. Tenho imensos testemunhos vindos de comunicação de autoridades de saúde a nível local que sugerem que a prioridade da testagem está dirigida para os que revelam sintomas, não se testando por exemplo por iniciativa dessas autoridades pessoas que se mantêm assintomáticas e que tiveram contacto com pessoas infetadas. Nesses testemunhos parece emergir essa regularidade e sinceramente não a compreendo e não vi qualquer referência a esse facto a nível político.
O segundo elemento da gestão menos competente a que me refiro é claramente o problema das Universidades e a incapacidade revelada pelo Ministro da pasta em compreender onde estavam os elementos de vulnerabilidade. Sabíamos já pela experiência de outros países que abriram mais cedo os estabelecimentos de educação a todos os níveis que a abertura das escolas para os muito jovens, ensino básico e secundário, tinha sido relativamente gerida, obviamente com surtos mas nada de generalizado e que as intervenções pontuais estavam a conter a generalização do problema e a evitar o reencerramento das mesmas. Pelos sinais já observados, a situação em Portugal não é substancialmente diferente. Mas sabíamos também que o regresso pleno ao ensino presencial nas Universidades tinha provocado sérios problemas (particularmente Reino Unido e Espanha), algo de antecipável, se tivéssemos em conta que a população em idade universitária é aquela que tem maior dificuldade em manter a socialização com a distância exigida. Algo que é agravado no caso dos estudantes estrangeiros, isolados de ambientes familiares e por isso mais propensos a tentar regressar ao panorama da convivência pré-Covid. Por ironia do destino, o responsável pela pasta surgiu infetado e tivemos sorte que aparentemente a sua infeção não tenha provocado, pelo menos com os dados atuais, um sério problema ao Governo e ao seu funcionamento.
Tenho informações que a ausência de orientações firmes de contingência para responder aos surtos manifestados está a provocar uma onda alargada de desorientação, com a linha da frente junto aos alunos (professores em cada disciplina) a ser obrigada a tomar decisões por si só, obviamente com divergências entre si e gerando por essa via uma nova onda de desorientação.
Finalmente, o terceiro elemento constitui uma combinação explosiva: comunicação menos firme e comportamento nem sempre favorável a uma contenção por parte da população. A melhor evidência dessa falha é a falta de orientação firme quanto ao uso de máscaras na via pública ou mais precisamente de uso generalizado das mesmas.
Quando existem dúvidas acerca dos fatores determinantes de contágio, manda a sabedoria que se use o princípio da precaução e não o da reatividade à emergência do problema. Ora, mesmo considerando que a inércia da OMS é perturbadora em alguns domínios, estavam disponíveis argumentos científicos suficientes para se dar atenção ao meio de transmissão por aerossóis e não apenas via superfícies ou transmissão de gotículas. Fiz aqui referência várias vezes aos trabalhos de José Luís Jiménez da Universidade de Boulter no Colorado e até a uma tomada de decisão de um grupo de cientistas em que o espanhol estava também representado chamando a atenção para a necessidade de completar a higienização de mãos e vestuário com o uso generalizado de máscara. Não consigo ver razões para justificar o adiamento de uma decisão que vai acabar por ser tomada in extremis a partir da Assembleia da República. Não foram antecipados inconvenientes gravosos do seu uso generalizado. Ora, em condições de incerteza, valeria o princípio da precaução, até porque o uso generalizado da máscara tem também influência no possível contágio a partir de assintomáticos não testados: “até porque num espaço público aberto não é viável andarmos com uma fita métrica para medir o distanciamento. De dois metros”. Atrasos de quinze dias ou de um mês em medidas desta natureza equivale a mais propagação durante mais tempo. Não parece difícil de compreender. Pelos vistos é mais difícil de explicar e o conceito de precaução parece ter desaparecido para tragédia nossa.
Neste contexto, a entrevista de Filipe Froes atrás assinalada (link aqui) é um oásis e um convite à razão, que é realizada imediatamente após a ultrapassagem da barreira dos 1.000 casos diários. As coisas tenderão a complicar-se à medida que a curva do número de internamento e de ocupação das camas de cuidados intensivos começar de novo a aproximar-se dos níveis de segurança.
No que Filipe Froes também refere como uma pandemia de egos, a existência de vozes deste calibre e deste alcance são um lenitivo importante e atribuo-lhes uma enorme importância na manutenção do meu equilíbrio mental. Os seus conselhos são sensatos, como por exemplo o da regularidade dos testes mais rápidos para grupos e áreas de maior exposição, como o são por exemplo as escolas e os seus agentes e funcionários.
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