quarta-feira, 25 de agosto de 2021

A MACROECONOMIA DA MUDANÇA CLIMÁTICA

 

(Até há bem pouco tempo, a questão da mudança climática foi praticamente marginal à macroeconomia, facto que me tem causado perplexidade que baste. Ora, identifico sinais de que as coisas vão mudar e até existem razões muito plausíveis para explicar essa mudança. Até porque nomes como Jean Pisany-Ferry (link aqui) e o próprio Stiglitz estão aí para compensar finalmente a ausência da questão climática na macroeconomia para o pós-COVID.)

Não há dúvida de que a economia do ambiente cresceu em representatividade, de que o Nobel atribuído em 2018 a William Nordhaus (conjuntamente com Paul Romer) constitui um excelente indicador. Porém, esse aumento de representatividade e notoriedade concretizou-se à margem de qualquer relação consistente com a macroeconomia. Tal como Pisany-Ferry pertinentemente o assinala, há razões teóricas que explicam esse deslaçamento inicial, que se prendem sobretudo com a origem da economia do ambiente, a economia pública. E, para além disso, como a descarbonização da economia era essencialmente perspetivada como algo do domínio do longo prazo, isso também ajudou a explicar o já referido deslaçamento com a macroeconomia.

Todo este contexto começou a ser alterado com a construção dos primeiros modelos de avaliação integrada dos efeitos da mudança climática e das diferentes opções de política sobre a cenarização macroeconómica. Mas a principal fonte de alteração tem origem na agudização do problema climático e com a precipitação dos desafios para tornar o processo de descarbonização mais rápido, intenso e abrangente.

Ainda assim muito boas almas continuam a falar de transição para a neutralidade carbónica como se um idílico processo se tratasse, sem penosidade e por isso não exigindo a formalização do que poderíamos designar de macroeconomia da neutralidade carbónica. Fico perplexo com tanta candura, não só a nível europeu, como sobretudo a nível nacional. As economias europeias e a portuguesa estão confrontadas com fatores sérios de rebaixamento do seu produto potencial, leia-se da sua máxima capacidade produtiva em contexto de pleno aproveitamento dos seus recursos. Basta lembrar o declínio demográfico e os diferentes constrangimentos a uma política mais fraca e abrangente de atração e acolhimento de população imigrada para compreendermos que os próximos anos o produto potencial destas economias enfrentará sérios desafios e constrangimentos.

Ora tudo indica que a transição para a neutralidade carbónica equivalerá a um choque de oferta de grandes proporções, de sinal negativo, do tipo do choque petrolífero dos anos 70. A ideia de choque de oferta negativo tem sido suplantada pelo chamado “otimismo verde”, ou seja com as perspetivas de crescimento económico e de novos empregados que a economia de baixo carbono tenderá a estimular.

Ora, não há neste momento nenhuma análise que nos mostre à evidência que os efeitos a longo prazo do “otimismo verde” suplantarão os associados ao ajustamento do choque de oferta.

Há pelo menos quatro variáveis que terão de ser devidamente consideradas: alterações significativas de preços relativos com efeitos na afetação de recursos em todas as economias; aceleração da obsolescência de capital fixo (mais cruamente destruição de capital pela incapacidade de adaptação de equipamentos); reafetação de trabalho entre diferentes atividades e naturalmente um efeito considerável sobre o investimento (questão que colocará uma outra a do seu financiamento) e que emergirá como contraponto a um mais do que provável declínio do consumo. E tudo indica que os fundos públicos serão chamados a terreiro para favorecer as mudanças ambicionadas, podendo estimar-se novas fontes de pressão sobre os orçamentos públicos para além do tema da fiscalidade para a neutralidade carbónica emergir como algo de crucial.

Ou seja, é tempo de dedicar mais atenção aos custos da transição para a neutralidade carbónica e isso projeta-nos nos domínios da macroeconomia. Obviamente que a economia do ambiente e a economia pública continuarão reforçadas, mas dificilmente podermos durante mais tempo continuar a situar a questão macroeconómica apenas no âmbito dos horizontes de longo prazo.

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