Tomei consciência da existência de Nuno Palma (um professor português doutorado em Economia e radicado em Manchester) por via de uma indicação do meu amigo Guilherme Costa, quando reuníamos material para o livro que publicamos em maio passado (também com a terceira assinatura de Rui Moreira). Gostei do muito de estimulante que ouvi nesses podcasts, designadamente a propósito da história económica portuguesa e de alguns referenciais de leitura e pensamento menos ortodoxos que ali eram apresentados. Meses mais tarde, dei conta de uma polémica de que Nuno Palma foi feito protagonista involuntário na sequência da sua participação na Convenção do Movimento Europa e Liberdade e — lá está a questão das vulgatas! — da forma canhestra como uma deputada municipal de Lisboa traduziu a sua tese sobre o tratamento do analfabetismo no tempo do regime salazarista e seus resultados. Folheava ontem digitalmente o “Sol” (agora pirosamente “Nascer do Sol”) quando por lá encontrei uma extensa entrevista, simultaneamente justificativa e afirmativa, do mesmo Nuno Palma, precisamente; li-a com interesse e prazer.
Nuno Palma faz algumas menções escusadas e provocatórias, talvez mesmo a roçarem o injustificadamente ofensivo, em relação a várias personalidades respeitáveis e mais ou menos consagradas da nossa praça pública (o que surge agravado pela chamada a primeira página de algumas das mais bombásticas, que não das mais sustentadas); além disso, evidencia manifestamente algum desligamento em relação à realidade portuguesa concreta (como quando se refere criticamente a António Araújo e escolhe nomes elogiáveis em círculo demasiado fechado ou como quando se pronuncia, desfasadamente e/ou de modo aprioristicamente rígido e desnecessariamente marcado em termos ideológico-partidários, sobre questões da nossa esfera política). Mas esses são detalhes no contexto de uma entrevista bem esgalhada na argumentação substantiva que faz ressaltar. Deixo alguns exemplos ilustrativos.
Importa ainda que aqui sublinhe quanto muitas das palavras e posições de Nuno Palma calaram fundo no íntimo pensante que evolutivamente se me vai impondo (e, ao que vou vendo, cujo sentido vai sendo crescentemente defendido em variados fóruns privados, embora quase sempre só desde que de garantida surdina pública), especialmente no tocante ao estado de coisas que atualmente marca Portugal e o exercício do poder nestas paragens lusitanas (da arrogância desligada e autoritária à cedência em valores essenciais, da mediocridade e incompetência à ausência de mínimos em termos de um urgente sentido de mudança). De facto, e certamente pela primeira vez na vida de uma forma tão pujante, deparo-me com dúvidas mais do que metódicas em relação a pessoas, organizações e escolhas que tinha por bem formadas, bem-intencionadas ou bem estruturadas e consolidadas/estabilizadas, respetivamente. Ora, a argumentação de Nuno Palma — que termina deste modo: “Insisto que o meu discurso não é nem nunca foi contra a esquerda. O meu discurso é a favor das instituições independentes, da liberdade, da democracia, da igualdade de oportunidades, da meritocracia, da ciência e do crescimento económico. Qualquer pessoa da esquerda moderada só pode concordar com tudo isto.” — ajudou a que o percecionasse de modo ainda mais límpido nesta pacífica manhã solheira de Domingo, razão para que daqui lhe manifeste o meu reconhecimento por isso. O resto é o que for, todos somos nós e a respetiva circunstância (sobretudo de percurso) e talvez daí não devamos fugir; mas não deixa de ser paradoxal e inquietante essa notória consciencialização do grau de deceção e desconcerto a que podemos ser conduzidos pelas práticas e obras viciadas que nos são em catadupa reveladas por uma observação esforçadamente assente em princípios pessoais básicos de participação e não alheamento — ah, como quase apetece apelar aos benefícios da alienação!
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