(Cá por cima, por terras de Coura e Seixas, cheira a fim de férias, embora as vá prolongar por mais uma semana. Mesmo aqui no condomínio, os habitués que alugam parte do mês de agosto já se despediram ou preparam as malas, enquanto que os proprietários como eu prolongam por alguns dias a sensação do non fare niente. Este ano, pelas circunstâncias das vidas pessoais e das incidências do COVID com a família mais próxima a ficar totalmente vacinada em meados de setembro, sem a companhia de filhos e netos, deu para antecipar o que poderá ser o prolongamento da velhice. Daí algumas leituras tocarem mais do que outras…)
Gosto especialmente de me interessar por visões e testemunhos de gente que está fora, que vê o País e os nossos traumas e virtudes com a distância necessárias e outros critérios que a nossa endogamia incorrigível nos impede de desenvolver.
É o caso fascinante de alguém que tem um traço inconfundível, digamos um ilustrador digital que chegou ao brilhantismo de uma página da New Yorker como ilustrador e conhecem o meu fascínio por aquelas capas que nos chegam semanalmente ao IPAD e à caixa de correio, porque isto do papel ainda tem o seu fascínio. As capas da New Yorker são a minha perceção da civilização urbana e da urbanidade
Jorge Colombo (diretor gráfico do irreverente Independente) é essa personalidade (revista do Expresso deste fim de semana) com pormenores do tipo de programar o lápis da Apple para se aproximar da textura dos velhos lápis Caran d’ Ache com que ilustrava e pintava nos anos 80, para depois evoluir para o desenho com os dedos num Iphone.
A entrevista vale a pena ser lida pelo seu conjunto e qualidade global, mas atraíram-me sobretudo umas linhas já na parte final. O tema é o da efemeridade da criação artística, a que eu acrescentaria a efemeridade da própria vida.
Em resposta à questão de saber se o preocupa a efemeridade de alguns dos seus trabalhos, Colombo proporciona-nos esta preciosidade:
“Tenho a noção de que vai tudo desaparecer. Se alguém se lembrar de três coisas, é um milagre. E mesmo das coisas de que se lembrarem, vão lembrar-se mal. A informação vai estar toda errada. Vão pensar que o fiz numa altura quando fiz noutra. Ninguém se lembra rigorosamente, ninguém sabe precisamente como é que as coisas são. Toda a gente acha que o Andy Wharol estava a jantar com o Jasper Johns e não era exatamente o caso. Há toda a espécie de confusões. Por isso, não me preocupa em especial. É agradável descobrir alguns tesouros do passado. E estou a tentar deixar alguns livros que seja possível encontrar. Mas, por exemplo, nunca me dou ao trabalho de imprimir os meus desenhos, E se os meus desaparecerem dos discos rígidos em que estão não é um drama. Porque se não desaparecerem agora, desaparecem daqui a 50 ou a 100 anos. Portanto, qual é o problema? Alguma vez viu aquele bocadinho de vídeo no You Tube do Orson Welles a falar sobre a catedral de Chartres em França? É a coisa mais bonita do mundo.
Mas o que diz o Orson Welles?
Diz que nós, no fundo, não sabemos quem fez a Catedral de Chartres. E não interessa nada. Talvez seja uma das poucas coisas que vale a pena conservar. Porque na verdade tudo aquilo que fazemos vai desaparecer. Se não for agora, é daqui a uns milénios. Mas nada é tão importante como aquilo que nós queremos que seja importante.”
A nossa efemeridade e do que fazemos, mal ou bem, como nunca a vi retratada, melhor dizendo ilustrada.
Valeu a revista. Bem mais interessante do que a vida de Balsemão e da “Queen Mother” Mercedes.
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