(Já há muitos anos que uma boa chávena de café de saco ao pequeno almoço faz parte do meu ritual matinal de iniciação ao mundo, com o que isso implica de despertar, energia e atenção, a que se seguem outros cafés ao longo do dia. Mas o da manhã é de facto especial. Mas depois da leitura do New York Times internacional deste fim de semana as minhas preocupações como consumidor relativamente adicto de café alteraram-se e isso tem uma explicação simples!)
Assinante eletrónico do New York Times, tenho alguma dificuldade em compreender o prazer de folhear a edição internacional do jornal, que chega com um dia de atraso à incontornável Gomes em Caminha, agora que o El País deixou de ser exportado em papel para Portugal. Mas a qualidade do jornalismo do NYT dá prazer e parte das minhas horas de esplanada observando o ambiente agora fervilhante da Pracinha central são rapidamente sorvidas na leitura de algumas reportagens e artigos de opinião.
A crónica que hoje atraiu a minha atenção (link aqui) tem a assinatura de Wyatt Williams e tem por personagem principal um conselheiro da Wildlife Conservation Society , Matt Leggett de sua graça. Tudo começa numa conferência internacional na Indonésia em torno dos resultados de preservação do Tigre de Sumatra num dos raríssimos habitats que acolhem a preciosidade daquele animal, mais propriamente o Bukit Barisan Selatan National Park. Na sequência de uma abordagem colaborativa com o governo indonésio e os agricultores e criadores de gado locais foi possível controlar e defender o gado das populações e com essa medida diminuir a morte de Sumatras ditada por caça defensiva e de resposta.
Quando o conselheiro da WCS estudava os dados de base e os confrontava com imagens de satélite do parque apercebeu-se que, ao mesmo tempo que a preservação dos Tigres de Sumatra parecia estar a dar resultados positivos, a área florestal do parque estabelecida em 1982 apresentava uma rápida trajetória de diminuição. O que o levou rapidamente a mergulhar na contradição fundamental em que o conservacionismo dos Tigres de Sumatra estava inserido. Afinal, os progressos na preservação da espécie eram ilusórios pois se o habitat natural da floresta do Parque caminhasse para a destruição também o imponente animal o estaria.
Com todas as reservas de discrição e de não perturbação da sociedade local, Legget organizou uma atividade de investigação no terreno, conduzida por estudantes o que lhe assegurava uma explicação para a missão. Não foi difícil chegar à conclusão que a raiz do problema da desflorestação do ecossistema de Sumatra estava nas relativamente pequenas explorações de café, variedade Robusta, comercialmente bem menos proveitosa e aspirando a preços bem mais baixos do que se se tratasse de variedades Arábica. Os valores de produtividade das culturas eram também relativamente baixos, obrigando em extensão a contornar o défice de intensidade. Nas fronteiras do parque, um conjunto amplo de intermediários compensa a falta de recursos dos pequenos agricultores para fazer face a custos de transporte e de distribuição. Obviamente que em articulação com essa rede comercial de intermediários Leggett encontrou algumas multinacionais como a Nestlé, a Olam International e a Louis Dreyfus Company, parcialmente cúmplices da exportação de café proveniente de culturas ilegais (não autorizadas naquela reserva).
A opção de abordagem consistiu numa intervenção prolongada junto de agricultores e pequenos produtores de café de modo a aumentar produtividades e melhorar qualidades procurando a retribuição de melhor preço e com isso uma mais baixa de exploração intensiva, ou seja de desflorestação, ao mesmo tempo que foi ensaiada a contratualização para cedências de terras para reflorestação.
Moral da história: as preocupações ambientais e de proteção climática têm no consumo uma importante dimensão e por isso à sensação do café da manhã teremos de acrescentar mais informação, a de saber se não estamos a ser cúmplices da desflorestação de áreas sensíveis para a preservação de ecossistemas de vida natural e animal. E também a convicção de que por vezes as intervenções mais credíveis não se inscrevem no cortar a direito e antes exigem a compreensão profunda dos ecossistemas em que intervimos e a lógica dos incentivos que estão na base dos comportamentos dos agentes aí implantados.
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