domingo, 15 de agosto de 2021

O CAFÉ TEM QUE SE LHE DIGA!

 


(Já há muitos anos que uma boa chávena de café de saco ao pequeno almoço faz parte do meu ritual matinal de iniciação ao mundo, com o que isso implica de despertar, energia e atenção, a que se seguem outros cafés ao longo do dia. Mas o da manhã é de facto especial. Mas depois da leitura do New York Times internacional deste fim de semana as minhas preocupações como consumidor relativamente adicto de café alteraram-se e isso tem uma explicação simples!)

Assinante eletrónico do New York Times, tenho alguma dificuldade em compreender o prazer de folhear a edição internacional do jornal, que chega com um dia de atraso à incontornável Gomes em Caminha, agora que o El País deixou de ser exportado em papel para Portugal. Mas a qualidade do jornalismo do NYT dá prazer e parte das minhas horas de esplanada observando o ambiente agora fervilhante da Pracinha central são rapidamente sorvidas na leitura de algumas reportagens e artigos de opinião.

A crónica que hoje atraiu a minha atenção (link aqui) tem a assinatura de Wyatt Williams e tem por personagem principal um conselheiro da Wildlife Conservation Society , Matt Leggett de sua graça. Tudo começa numa conferência internacional na Indonésia em torno dos resultados de preservação do Tigre de Sumatra num dos raríssimos habitats que acolhem a preciosidade daquele animal, mais propriamente o Bukit Barisan  Selatan National Park. Na sequência de uma abordagem colaborativa com o governo indonésio e os agricultores e criadores de gado locais foi possível controlar e defender o gado das populações e com essa medida diminuir a morte de Sumatras ditada por caça defensiva e de resposta.

Quando o conselheiro da WCS estudava os dados de base e os confrontava com imagens de satélite do parque apercebeu-se que, ao mesmo tempo que a preservação dos Tigres de Sumatra parecia estar a dar resultados positivos, a área florestal do parque estabelecida em 1982 apresentava uma rápida trajetória de diminuição. O que o levou rapidamente a mergulhar na contradição fundamental em que o conservacionismo dos Tigres de Sumatra estava inserido. Afinal, os progressos na preservação da espécie eram ilusórios pois se o habitat natural da floresta do Parque caminhasse para a destruição também o imponente animal o estaria.

Com todas as reservas de discrição e de não perturbação da sociedade local, Legget organizou uma atividade de investigação no terreno, conduzida por estudantes o que lhe assegurava uma explicação para a missão. Não foi difícil chegar à conclusão que a raiz do problema da desflorestação do ecossistema de Sumatra estava nas relativamente pequenas explorações de café, variedade Robusta, comercialmente bem menos proveitosa e aspirando a preços bem mais baixos do que se se tratasse de variedades Arábica. Os valores de produtividade das culturas eram também relativamente baixos, obrigando em extensão a contornar o défice de intensidade. Nas fronteiras do parque, um conjunto amplo de intermediários compensa a falta de recursos dos pequenos agricultores para fazer face a custos de transporte e de distribuição. Obviamente que em articulação com essa rede comercial de intermediários Leggett encontrou algumas multinacionais como a Nestlé, a Olam International e a Louis Dreyfus Company, parcialmente cúmplices da exportação de café proveniente de culturas ilegais (não autorizadas naquela reserva).

A opção de abordagem consistiu numa intervenção prolongada junto de agricultores e pequenos produtores de café de modo a aumentar produtividades e melhorar qualidades procurando a retribuição de melhor preço e com isso uma mais baixa de exploração intensiva, ou seja de desflorestação, ao mesmo tempo que foi ensaiada a contratualização para cedências de terras para reflorestação.

Moral da história: as preocupações ambientais e de proteção climática têm no consumo uma importante dimensão e por isso à sensação do café da manhã teremos de acrescentar mais informação, a de saber se não estamos a ser cúmplices da desflorestação de áreas sensíveis para a preservação de ecossistemas de vida natural e animal. E também a convicção de que por vezes as intervenções mais credíveis não se inscrevem no cortar a direito e antes exigem a compreensão profunda dos ecossistemas em que intervimos e a lógica dos incentivos que estão na base dos comportamentos dos agentes aí implantados.

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