(Unidade de produção de hidrogénio da Royal Dutch Shell)
(Não quero ser inconveniente. O tempo estival não está para isso. No litoral norte não há propriamente canícula, mas o vento amainou um pouco e lá tivemos um simulacro de calor. Mas tenho aqui defendido que as opções energéticas em Portugal são muitas vezes pouco transparentes e o debate é escasso, mal orientado e raramente dirigido ao público em geral. Reconheci esse facto a propósito do hidrogénio, agora que se perfilam opções de investimentos avultados. Continuo a achar que por muito que custe ao impetuoso secretário de Estado Galamba, o debate deveria ser mais profundo. Gostaria de estar melhor informado e um artigo recentíssimo no New York Times reforça as minhas dúvidas. Simplesmente dúvidas, não certezas.
Não há dúvida de que muitos países estão a posicionar-se ativamente na questão do hidrogénio como fonte de energia alternativa e por isso é perfeitamente compreensível que um país como Portugal que iniciou relativamente cedo o seu caminho para a valorização das renováveis não queira ficar fora desse mundo de alternativas. Não deve ser por isso por falta de ambição que as coisas não avançam. Sabe-se, por exemplo, que no plano Biden e na vertente das parcerias público-privadas que estão a desenhar-se o hidrogénio está lá como aposta de energia limpa para o futuro.
Mas o artigo do NYT (https://www.nytimes.com/2021/08/12/climate/hydrogen-fuel-natural-gas-pollution.html) traz para a discussão um artigo de agosto deste ano, ou seja fresquinho, publicado na revista científica (com peer review) Energy Science &Engineering, designado de “How green is blue hydrogen?”, de autoria de Robert Howarth e Mark Jacobson (universidades de Cornell e Stanford) (link aqui - https://onlinelibrary.wiley.com/journal/20500505i).
A questão deriva do facto de grande parte do hidrogénio ser extraído do gás natural e essa operação além de exigir energia emite dióxido de carbono, para além da produção de gás natural emitir também metano. A investigação constante do artigo acima referido foca-se no chamado hidrogénio azul, obtido a partir da captura de dióxido de carbono na produção de gás natural. Não vou obviamente, porque não tenho competência científica para tal, discutir os números algo surpreendentes publicados. Mas que são perturbadores isso não tenho dúvidas, pois os dois investigadores acabam por concluir que as emissões de gases com efeito de estufa associados ao hidrogénio azul estão longe de poder considerar-se um rumo seguro em direção à tal energia limpa do futuro.
Partindo de pressupostos sobre as fugas para a atmosfera associadas à produção de gás natural e calculando também o montante de gás natural necessário para assegurar energia à tecnologia de captura de carbono, os dois investigadores concluem que a pegada do hidrogénio azul é superior à da queima de gás natural ou de carvão para aquecimento.
Confesso-vos humildemente que fiquei um pouco abanado com estas conclusões e com a associação que tem vindo a ser feita entre o gás natural e o hidrogénio azul, não ignorando que a produção de gás natural enfrenta também o problema da emissão de metano.
Há por isso uma questão de cores e por isso as atenções se têm virado para o chamado hidrogénio verde, o que é obtido a partir da eletrólise da água, separando os átomos do hidrogénio do oxigénio, com fortes exigências de intensidade em energia renovável para assegurar um hidrogénio livre de emissões de dióxido de carbono.
E estou chegado ao meu ponto inicial. A ambição nacional compreende-se mas o debate que fundamenta a inscrição dessa opção nos desígnios nacionais precisa de ser aprofundado e sobretudo apresentado com mais transparência. Sabemos que o hidrogénio verde será caro e exige um elevadíssimo nível de produção de renováveis. Quanto ao hidrogénio azul ele não parece resolver o nosso problema climático, antes pelo contrário. Em que ficamos?
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