sexta-feira, 6 de agosto de 2021

O RELATÓRIO TIROLE-BLANCHARD

 

(Desperto para tanta informação, tinha-me escapado um relatório incontornável elaborado a pedido da Presidência de Macron, envolvendo parte da nata dos economistas mais prestigiados de hoje, sob a direção de Jean Tirole e Olivier Blanchard (link aqui). Graças a um artigo (link aqui) do meu Amigo Professor Fernando González Laxe da Universidade da Corunha e ex-Presidente da Xunta de Galicia nos tempos em que o PSOE galego pontuava, que é também de leitura obrigatória, pude remediar a distração.

A Presidência de Macron faz-me lembrar por vezes aqueles automóveis com um potencial de motor notável mas que por qualquer motivo insondável tem dificuldades em arrancar e ganhar uma velocidade estável. Por isso, o Presidente francês tem procurado por todos os meios socorrer-se dos mecânicos mais adestrados para tentar resolver o problema. Este relatório pode ser interpretado nesse sentido, tal é a qualidade do painel de intervenientes e de responsáveis por capítulos deste relatório. Só para demonstrar o meu ponto, basta citar, além dos prestigiadíssimos coordenadores, Jean Tirole e Olivier Blanchard, nomes como Adam Posen, Axel Börsch-Supan (Instituto Max Planck), Dani Rodrik, Daniel Cohen, Emmanuel Farhi (entretanto desaparecido), Jean Pisani-Ferry, Lawrence Summers, Laura Tyson, Nick Stern, Paul Krugman, Peter Diamond, Philippe Aghion e Richard Blundell, só para mencionar os mais sonantes. A composição do grupo abrange aproximadamente um terço de franceses, um terço de americanos e outro terço de economistas de outros países europeus. Thomas Piketty não está na lista e percebe-se porquê, nem Piketty deve morrer de amores por Macron, nem vice-versa.

O relatório chama-se “Les Grands Défis Économiques” (Os Grandes Desafios Económicos) e basta o simples enunciado destes últimos para compreender que o problema não se encontra na identificação dos desafios, pois aqui existe um vastíssimo consenso entre os economistas de topo: Mudança climática, Desafio Demográfico e Desigualdades Económicas e Sociais. Atravessando estes desafios, está obviamente a pandemia seja agravando problemas (desigualdades, por exemplo), seja acelerando soluções e também a inovação tecnológica que pode ser vista simultaneamente como parte do problema e da solução.

O grande desafio não está na identificação dos desafios. Está pelo contrário na sua superação e na concretização de políticas que abordem coerentemente os três desafios. E aqui o próprio Macron sabe por experiência como é fácil praticar falsas partidas.

O relatório é muito interessante do ponto de vista da formulação das recomendações, que são organizadas em dois tipos: as recomendações propriamente ditas que correspondem a propostas que já foram debatidas e não tiveram aplicação e em relação às quais a mudança fundamental é as medidas terem de estar inseridas num quadro global inteligível de implicações e interações (como, por exemplo, a fixação de um preço para o carbono ou a idade de reforma); propostas exploratórias que exigem conhecimento mais aprofundado pois comportam riscos, estão menos estudadas e é assim necessário explorar vias concretas para a sua aplicação.

O relatório é particularmente atento ao modo de preparação das soluções e, em alguns casos, à procura de explicações para a não aplicação de medidas para as quais existiam propostas bastante avançadas ou para erros de implementação. A questão básica é o ponto de partida de desigualdade que define basicamente o contexto de avaliação dos efeitos possíveis. E aqui ganham obviamente relevância dois princípios de política: a existência de um quadro global de referência em que seja possível avaliar coerentemente efeitos de implementação; a absoluta necessidade de identificar rigorosamente quem ganha e quem perde com as medidas propostas. ´

É como se regressássemos ao mundo das preocupações suscitadas por uma conceção ampla do desenvolvimento: analisar resultados à luz de preocupações de melhorar ou pelo menos não agravar desigualdades ou conceber propostas e intervenções que considerem intrinsecamente a desigualdade como elemento constituinte. E eis-me também regressado a uma das minhas mais profundas convicções que amadureci estudando economia do desenvolvimento e da inovação. Por vezes, diria mesmo quase sempre, a inovação na política é apenas uma questão de combinar de modo diferente perspetivas ensaiadas noutros contextos, tal como a inovação económica é sobretudo uma melhoria de combinação de recursos já existentes e a verdadeira conceção dinâmica está nas capabilities para conseguir as novas combinações.

Voltarei ao relatório Tirole-Blanchard para refletir sobre algumas propostas concretas, até porque são 500 páginas de leitura.

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