quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O ABISMO CLIMÁTICO

 

(A publicação das 3.949 páginas que constituem o relatório do Painel Intergovernamental para a Mudança Climática, IPCC na sigla anglo-saxónica, designado de Climate Change 2021 - The Physical Science Basis, link aqui, vem de novo e agora com cenários mais carregados abanar as consciências de políticos, produtores e consumidores. Relatórios cada vez mais carregados e ameaçadores, eventos extremos cada vez mais frequentes e territorialmente distribuídos, cenários de verificação cada vez mais próxima e com verosimilhança acrescida parecem não ser abanão suficiente para a mudança de vida. E apetece perguntar de que clique estão o mundo e o vulgar dos mortais à espera. Talvez valha a pena adaptar uma fórmula conhecida atribuída a John F. Kennedy: mais do que esperar que te resolvam o problema avalia de que modo podes contribuir para a sua mitigação!)

Tal como vejo o universo das reações ao problema climático, ele é composto pelas seguintes categorias:

  • Os militantes convictos que respeitam o conhecimento científico e o aplicam em ações consequentes, seja ao nível da produção ou dos consumos (modos de vida), seja ainda ao nível da regulação e das políticas;
  • Os que entendem e não renegam os avisos da ciência, mas que diferem no tempo as adaptações consequentes, numa parcimónia exasperante de mudança de vida;
  • Os negacionistas, que tendem largamente a sê-lo em relação aos grandes problemas contemporâneos, negando por exemplo a ameaça climática, mas também o poder das vacinas, designadamente para o SARS-COV 2; por exemplo, nos EUA, como Krugman o assinalava recentemente numa das suas colunas de opinião no New York Times (link aqui), o negacionismo confunde-se cada vez mais com a direita mais extrema, sabe-se lá apoiada em que exemplo de visão cabalística e pseudo-libertária do mundo de hoje.

É no segundo grupo deste estranho universo que se encontra a grande esperança de abanão consequente de consciências. Até porque no grupo dos negacionistas, nem a fatalidade que coloque um dos seus apoiantes no furacão de um desses eventos extremos reveladores chegará para o fazer mudar de opinião. Certamente que levado pela enxurrada de uma inundação devastadora, atingido pela onda de calor mais asfixiante ou refém da manifestação do fogo mais descontrolado, o negacionista-tipo encontrará seguramente uma explicação para a sua má fortuna, nunca derivada da questão climática. Numa rápida introspeção de quem objetivamente e sem desculpa pertence ao segundo grupo, é fácil concluir que andamos todos à procura desse clique neste irremediável horizonte da preferência pelo presente e da elevadíssima dificuldade em operacionalizar uma taxa social de desconto intertemporal qualquer que nos faça transpor para o presente a restrição futura.

Para já a minha leitura do relatório limitou-se ao resumo para responsáveis por políticas públicas, mas dá para perceber que os relatórios do IPCC estão em crescendo de rigor e de orientações para a tomada de decisão, com indicações preciosas sobre o estado de probabilidade de ocorrência dos fenómenos antecipados, em função do rigor de fundamentação científica que é possível associar-lhes e também às bases de comparação de observações que estão hoje disponíveis para se compreender o alcance evolutivo dos fenómenos diagnosticados.

Por este resumo introdutório, percebe-se bem o nível de rigor e de monitorização a que o painel inter-governamental chegou e a vastíssima fundamentação que o suporta. Transversalmente a todo o relatório está a esmagadora evidência da influência humana no agravamento da situação e a perceção da irreversibilidade de efeitos passados.

Confrontando a amplitude de informação chocante que temos hoje fornecida pelos trabalhos do IPCC com a anomia do segundo grupo a que atrás aludi, pode ficar-se com a sensação de que todos estamos em modo de abismo e daí a inação e a resistência à mudança.

A sensação é estranha pois pela via profissional sou frequentemente confrontado com a relevância que no PRR e na programação multianual 2021-2027 dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento assume o financiamento para a concretização do Pacto Ecológico Europeu e dos propósitos de transição energética e climática.

Financiamento generoso e anomia de comportamentos de mudança, que estranha metáfora dos nossos tempos de abismo climático.

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