domingo, 22 de agosto de 2021

O QUE FAZER COM OS TALIBÃS

                                               (Christina Hagerfors para o New York Times)

(Não sei sinceramente se devo ficar mais frustrado com a abdicação do poder americano se com a mais que tradicional incapacidade europeia, sempre sem meios, condições e logística para intervir em qualquer coisa se os Americanos falharem. Por agora, no meio de tanta e ampla frustração, reina a mais completa confusão sobre o que fazer com os novos senhores do poder no Afeganistão.)

Estados Unidos e União Europeia parecem perdidos seja na cena militar, seja na cena diplomática, sobretudo quando os comparamos com o posicionamento da Rússia, da Turquia e até da China. Sabe-se, por exemplo, que são as forças talibãs que estou responsabilizadas pela segurança à Embaixada da Rússia em Cabul que, ao contrário de outras potências, decidiu permanecer na capital afegã, o que tem imenso significado sobretudo se recordarmos o inferno da derrota soviética no Afeganistão. Turquia e China estão também profundamente ativas nas suas aproximações e diálogo com o poder dos Talibãs, está última nada interessado em ter problemas com insurgências na proximidade de uma das suas grandes regiões.

Quanto à União Europeia e aos EUA temos tido sobretudo manifestações de retórica, tão construída como a dos porta-vozes talibãs que se esforçam por parecer cordeirinhos e não assumir as vestes de lobos implacáveis. A principal linha dessa retórica, sobretudo europeia, tem sido a de recusar qualquer ajuda internacional se o novo poder talibã assumir os extremos da Sharia e condenarem as mulheres e as jovens afegãs a mais um longo período do mais profundo obscurantismo e regresso às trevas.

Por agora, pelo que se vai sabendo, as forças talibãs estão fundamentalmente a braços com a perseguição feroz e implacável aos membros das forças militares afegãs que não se renderam ao invasor com a salvaguarda da própria vida e entrega de todo o material americano de que dispunham. O número mítico dos 300.000 homens parece não corresponder em nada a um cálculo de rigor, pois nos últimos tempos a corrução e a antecipação da derrota terão baixado esse número para valores bem mais reduzidos, embora não seja conhecida qualquer estimativa credível do que valiam as forças afegãs no momento da rapidíssima invasão talibã.

Mas justifica-se a pergunta se terá algum impacto a ameaça europeia de fechar a torneira da ajuda acaso os talibãs regressem às trevas.

Aparentemente essa ameaça tem sentido, já que o Estado afegão era na antecâmara da vitória talibã um estado mergulhado na mais profunda dependência da ajuda pública internacional. Estima-se que cerca de 75% da despesa do governo agora deposto tinha na ajuda internacional o seu financiamento. Tem, pois, algum sentido questionar se os Talibãs estarão interessados em quebrar esse vínculo da ajuda internacional.

Mas relativamente a esta matéria convém distinguir entre o financiamento do estado afegão e o financiamento da própria força dos Talibãs. E aqui as diferenças são da água para o vinho. E ao contrário do que poderão argumentar não são apenas os mecanismos de financiamento veiculados pela produção e comercialização do ópio que terão de ser invocados para marcar a diferença. Há que considerar fundamentalmente o poder de tributação que assiste aos Talibãs relativamente a toda e imensa atividade económica informal que marca as relações as relações comerciais com os países vizinhos, particularmente com o Paquistão e com o Irão. O Overseas Development Institute (ODI) tem publicado alguns estudos sobre essa capacidade informal de punção fiscal dos Talibãs. Trata-se simplesmente de se fazer pagar pela proteção militar à livre circulação de mercadorias e pelos cálculos do ODI essas receitas informais superam, em algumas regiões, a ajuda internacional numa relação de 1 para 10. Ou seja, as forças Talibãs já se transformaram em poderosos agentes no comércio da Ásia do Sul através do seu domínio do terreno e imposição de impostos informais à proteção do livre funcionamento do mercado.

De novo a economia informal a baralhar as contas. Coisa que não se saiba há longo tempo, mas que os poderes oficiais continuam com grande dificuldade em entender e tomar em devida conta a sua presença e magnitude.

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