sexta-feira, 20 de agosto de 2021

MAIS UMA ENTREVISTA DE COSTA

 

(Agora no Expresso e antes de ir a banhos, António Costa passeia de novo o seu à vontade neste tipo de entrevistas. A ambição de uma entrevista está mais nas perguntas do que nas respostas e nessa perspetiva o jornalismo português é francamente mau. As entrevistas são antecipáveis à distância, pois quem as faz está prisioneiro de alguns elementos da agenda mediática (por exemplo o otimismo “irritante” do primeiro-Ministro) e por isso Costa está como peixe na água, sem sobressaltos. A entrevista do Expresso não é exceção a esta regra. É mais inócua nas perguntas do que nas respostas. Por isso, o primeiro-Ministro vai para férias com o jogo dominado, seja na defesa, seja no meio campo, já que no ataque teve poucas oportunidades para avançar.)

Haveria uma imensidade de questões a colocar relativamente às quais o sobressalto de António Costa seria maior, obrigando-o seja a um jogo de lateralidades, seja a descobrir-se um pouco mais. As principais teriam que ver com as limitações do quadro de alianças orçamentais à esquerda, que obrigam a uma cuidada seletividade temática para PCP e Bloco de Esquerda dançarem músicas diferentes. Poder-se-ia, por exemplo, perguntar ao primeiro-Ministro que reformas necessárias terão de aguardar novas condições orçamentais para verem a luz do dia e que limitações traz essa contrariedade às nossas condições de crescimento. Ou poder-se-ia também perguntar que margem de elasticidade apresentam neste momento os acordos à esquerda do ponto de vista da libertação dos recursos públicos necessários, atendendo à mais que provável chegada de alertas orçamentais e de dívida vindos dos lados de Bruxelas. E já que os jornalistas têm extrema dificuldade em fugir aos ditames das agendas mediáticas de momento, poder-se-ia ter confrontado o primeiro-Ministro com críticas conhecidas relativamente a quem de facto beneficia e apropria apoios com Fundos Europeus. Bastam estes exemplos para mostrar que a entrevista poderia valer bem mais a pena dos minutos gastos com a sua leitura e trazer novos pontos de interesse, obrigando Costa a esforçar-se mais e a trabalhar por explicações de maior profundidade.

Não tendo sido assim, o primeiro-Ministro mexe-se ágil nesta antecâmara de merecidas férias e trouxe para a entrevista alguns pontos de interesse, apesar de tudo.

Em primeiro lugar, a data de 2023 passa a estar inscrita no calendário eleitoral e nas expectativas da oposição para ir à luta. Não é líquido que Costa pretenda nessa data abandonar o barco, pelo menos se a navegação apontar para o pode inferir-se a partir dos dados de hoje. E, numa jogada que eu próprio tinha já antecipado, a leitura do primeiro-Ministro sobre a sua sucessão está longe de condizer com os que media tinham traçado (Pedro Nuno Santos versus Medina), trazendo para a equação as lideranças femininas possíveis. E cá para mim a democracia portuguesa está já madura para uma liderança feminina à frente da governação.

Em segundo lugar, Costa anuncia no plano das políticas sociais algumas hipóteses de novidades, que terão a particular de poder inovar no quadro das limitadas possibilidades de acordos orçamentais à esquerda, seja envolvendo uma nova categorização de prestações familiares, seja trabalhando a matéria da equidade do IRS e da carga fiscal.

E, finalmente, foi parco no que diz respeito à lei laboral, matéria em que o ganho de autonomia do PS face ao apoio parlamentar para efeitos de aprovação de orçamento parece fundamental para assistirmos a algo de novo e progressivo na legislação do trabalho em Portugal.

De resto, nem as autárquicas perturbarão as férias de agosto de Costa. Alguns percalços poderão aparecer aqui e ali, embora sem intensidade suficiente para transformar o ato eleitoral de setembro num castigo generalizado da governação.

Alguns dirão que é sorte, outros indicarão que é arte e competências políticas, outros ainda falarão em falta de coragem política. O que eu constato é que o libelo do desgaste pandémico que muito bom jornalista e comentador da nossa praça avançou com segurança para a governação de Costa parece ter-se virado mais para os lados da direita. E com as suas declaradas e conhecidas limitações, a verdade é que os acordos à esquerda, que só António Costa com a sua diversidade fontes de circunstâncias pessoais e de percurso poderia ter protagonizado, vão acompanhar a governação em Portugal em dois momentos chave – a recuperação da Grande Recessão e da crise das dívidas soberanas e a recuperação pandémica o mais inclusiva possível.

Quem poderia ter antecipado esta evidência?

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