(O que seria de nós cidadãos que continuam a ler jornais, em papel e on line, se alguns desses jornais não contivessem reflexões e visões ponderadas sobre a avalanche de indeterminação em que estamos mergulhados, contrastando com toda a série de papagaios que se arvoram o direito de opinião manejando a (in) coerência do instante sem qualquer preocupação de lastro, duração ou horizonte amplo. Estaríamos certamente mais perdidos nesse vendaval de indeterminação.)
Gente ponderada a escrever nos jornais e a entrar-nos casa dentro via televisão não é espécie em extinção, mas quase. Assim sendo, sou dos que valoram e agradecem a possibilidade de, ao toque de um clique ou de uma passagem pelas páginas de um jornal não interessa o contexto em que o façamos, encontrarmos uma reflexão que nos ajude a navegar neste mar revolto e sobretudo imprevisível.
A jornalista Teresa de Sousa é uma dessas penas raras. Aprecio sobretudo a sua capacidade para a partir de um conhecimento minucioso e aprofundado da questão europeia, dos seus desafios, derivas, contradições e resultados mais positivos, refletir também sobre a nossa própria situação. Esta perspetiva de análise não é muito comum, sobretudo em mundos de ideias como o nosso em que a realidade é maniqueisticamente espartilhada. A relação País-Europa só é vista pelo prisma ou lentes dos Fundos Europeus e como é conhecido destas matérias estamos numa agenda mediática que começa na suspeição quanto ás condições da sua utilização, destacando evidências da má utilização e não curvando a espinha para reconhecer boas condições de utilização e até boas práticas inovadoras. A nossa relação com a necessidade de gastar e incorporar estratégia de futuro nesse gasto é problemática e conflituosa. Temos uma continuada dificuldade em balancear os dois termos da equação e as próprias agendas mediáticas tendem, por mais paradoxal que vos possa parecer, a castigar mais uma não utilização do que uma má utilização.
A reflexão que Teresa de Sousa nos traz na sua crónica de início de agosto (link aqui), intitulada de Reconstruir Melhor, claramente inspirada nos três BBB de Joe Biden (Build Back Better) é um oásis esperançoso. Primeiro, porque vai ao encontro da sabedoria agora centenária de Edgar Morin, uma das vozes mais insistentes e persistentes sobre a complexidade da integração das coisas. Segundo, porque coloca à frente da questão a total impossibilidade de ignorarmos o tema e a magnitude da desigualdade que a pandemia acentuou, cavalgando tendências já inscritas no horizonte recente. Terceiro, porque sublinha algo que poucos têm desenvolvido e sublinhado – a recuperação após pandemia (na indeterminação do que isto possa querer significar) não pode deixar de integrar essa desigualdade e a necessidade de construir um mundo com respostas consequentes ao mudar de vida para a transição energética e climática.
É esta conjugação que me faz pensar numa matéria que deveria começar a justificar um maior investimento de reflexão e argumentação do que infelizmente tem sido proposto à sociedade portuguesa. O tema é o da fiscalidade para a transição energética e climática. Esta parece-me ser a pista mais promissora para alcançar pontos de diálogo entre dois discursos que se têm ignorado radicalmente, até em personalidades como o Presidente da República que tinha obrigação de começar a construir pontes sobre esta matéria. Esses dois discursos são os que clamam pela transição energética e climática (e com razão) e os que disparam alucinados para a necessidade de maior ambição de crescimento (o que também se percebe dado o peso do constrangimento da dívida). Quando perspetivados com fratura de perspetiva anuncia-se o pior: ou penalizações de crescimento ou ritmos desvairados deste último incompatíveis com os desafios da transição climática.
Há certamente várias pontes possíveis para a integração dos dois temas. Mas a fiscalidade para a transição energética e climática é vital. Não é tarefa fácil, já que envolve perspetivas sobre a alocação de recursos e a produção mas também a nível de consumo e temos o constrangimento da insuportável desigualdade. Por isso, é das coisas que tem de ser pensada com tempo.
Seguramente que o Reconstruir Melhor de que nos fala Teresa de Sousa passa por aqui.
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