quarta-feira, 4 de agosto de 2021

MAS AFINAL O QUE VALE A ECONOMIA DE BIDEN?

 


(A perceção de mudança que ressalta da chegada ao poder da administração Biden é frequentemente viciada pela eterna frustração de ficarmos limitados aos grandes títulos, não mergulhando nas entrelinhas. Aquilo que se vai conhecendo sobre os avanços e bloqueios da chamada Bidenomics é pouco, e a capacidade de absorção do debate acessível à nossa comunicação social também não dá para muito mais. Mas, para quem esteja atento à essência da barganha política nas duas “casas” da democracia americana, Congresso e Senado, rapidamente compreenderá que entre os tais títulos que nos abriram esperança e a real dimensão do que está a ser conseguido pela administração Biden vai uma grande distância.)

Comecemos por recordar as razões das nossas esperanças.

Biden, nos primeiros 100 dias da sua governação, pormenorizou dois grandes eixos de intervenção, para além das esperanças que a composição económica do seu governo nos trouxe. Não é todos os dias que vemos gente ação que admirámos do ponto de vista intelectual e do que escrevem em livros, artigos ou presença ativa no debate público com conferência e outras formas de ocupar o espaço cívico a comprometer-se com o domínio da ação. Só a presença de Janet Yellen e de Heather Bouschey no governo justificariam essa esperança, anunciando que o ar está mais respirável depois da toxicidade de Trump e da permeabilidade revelada pelos Republicanos à sua mensagem.

Biden apresentou-se com dois grandes programas de significativa magnitude financeira, fazendo a intervenção pública alcançar limiares de magnitude e de foco até impensáveis, colocando como referência o New Deal de F.D. Roosevelt (magnificamente retratado numa série que está a passar na RTP 2 sobre os esforços da monarquia noruega, mais propriamente da Princesa mulher do príncipe herdeiro em captar a ajuda do governo americano à invasão nazi).

Um dos programas estava focado na modernização e reabilitação de infraestruturas, da dimensão física mais elementar á revolução digital, passando pelo combate à ameaça climática, transversalmente a toda a economia americana, que apontava para uns estratosféricos 2,3 milhões de milhões de dólares.

O segundo dos programas apontava para 1,8 milhões de milhões de dólares, tinha o nome inspirador de Plano para as Famílias Americanas e estava focado na saúde, nos cuidados fundamentais a crianças e velhos e em programas de educação.

Aquilo que se conhece das dificuldades de fazer avançar até à concretização destes dois programas é bem revelador de que é necessário ir além dos títulos de momento para compreender a real dimensão da mudança, apesar da respirabilidade do ar.

Quanto ao programa de infraestruturas, a voz rigorosa e convincente de Barry Eichengreen (Professor de Economia em Berkeley e tantas vezes citado neste blogue) anuncia-nos (link aqui) que o programa parece ter mingado para 600 milhares de milhão de dólares de despesa pública. Mesmo com este encolhimento, a necessidade de envolver favoravelmente o voto de Republicanos e de Democratas moderados designadamente em estados mais a sul inviabilizou praticamente o financiamento via impostos sobre o capital, riqueza e lucros, conduzindo a um modelo de financiamento muito na linha do “business as usual” e concebido à base de parcerias público-privadas que bem conhecemos. Mas talvez não saibam que uma grande parte das medidas de combate às alterações climáticas tiveram de ser retiradas do plano. It’s politics, stupid.

E no que respeita ao Plano para as Famílias Americanas continua de pé a eterna e estrutural oposição americana (Republicanos assanhados por Trump ou moderados e Democratas no limbo da moderação) segundo a qual tudo o que cheira a programas extensivos e universais é entendido como aproximação ao modelo social europeu e esbarra na mais completa hipocrisia do falhadíssimo American Dream.

Eichengreen, historiador económico profundo conhecedor dos mecanismos da Grande Depressão de 1930, aliás responsável por uma das mais sugestivas comparações da crise de 1930 e da Grande Recessão de 2008 (a comparação com a crise pandémica é outro assunto), estudou em pormenor o complexo processo de esgrima político que F.D. Roosevelt realizou para fazer avançar o seu New Deal. E o que espanta é que sendo um apoiante declarado da nova Administração americana, conclua que a Bidenomics pode no fim de contas representar algo inferior ao que se esperaria de um novo NEW DEAL.

De facto, dos grandes títulos às entrelinhas vai uma grande distância.

E é essencialmente pelas dificuldades enfrentadas pela Bidenomics que se justifica que a ala mais progressista e radical dos Democratas, embora perdedora e taticamente associada a Biden pois o que estava em jogo era algo de mais importante, continue na liça, porque tem condições objetivas para tal.

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