domingo, 1 de agosto de 2021

PRELIMINARES

 


(Em ano de eleições autárquicas e praticamente mês e meio antes do combate eleitoral local, a publicação dos resultados preliminares dos Censos de 2021 vem condicionar obviamente a verosimilhança dos projetos que se perfilarão nesse combate e uma vez mais convidar-nos, humildemente, a olhar para o País, para o seu território e para os limites das políticas públicas com mais realismo. Embora compreenda a perplexidade que estes resultados têm provocado em boas almas crentes no poder ilimitado das políticas públicas, que não existe, a verdade é que se trata de uma crónica anunciada. O país não consegue gerar saldos de crescimento natural positivos e ainda não acordou com eficácia e nem se organizou para a atração e acolhimento de migrantes. Com este pano de fundo que vigorará ainda por algum tempo, a massa crítica disponível para a distribuição de população pelo território é escassa e a lei da atração das aglomerações é rainha e senhora. O que é que não percebem?)

Diga-se, em primeiro lugar, que a publicação de resultados de censos, embora preliminares, constitui a única oportunidade possível para aferir o realismo das previsões demográficas intercensitárias. Recorde-se que tais previsões obviamente têm dificuldades em lidar com a questão migratória, pelo que só a publicação do resultado censitário permite aferir se tais previsões foram ou não realistas. É por isso que eu acho que Rui Moreira se mete por atalhos complicados quando pretende combater a tese da Cidade Donut, enfraquecida demograficamente e rodeada por municípios em crescimento, com o recurso às estimativas de população em anos intercensitários e agora aos dados de 2021. Ora, entre 2011 e 2021, Porto, Maia, Matosinhos, Gondomar perderam população e só Valongo e Vila Nova de Gaia aguentaram o balanço mas com crescimentos diminutos. O que significa que a questão dos saldos de crescimento natural negativo já chegou ao coração metropolitano e que a atração/acolhimento de migrantes externos não foi suficiente para compensar. E isto num território potencialmente muito atrativo. Claro que o presidente da CM do Porto pode invocar que entre a estimativa demográfica intermédia do período intercensitário e o dado de 2021 permite observar estancamento da queda demográfica, mas conviria recordar que a estimativa intermédia é falível. Embora aceite que o Porto, dada a mais reduzida incidência do fenómeno migratório externo, apresenta provavelmente estimativas demográficas mais realistas.

Ainda sem evidência empírica de resultados finais para o demonstrar, acho que o resultado de Braga (crescimento de 6,5% de população residente) é essencialmente o resultado de atração de migrantes brasileiros nesta década. Há pouco tempo corria o número dos 30.000 brasileiros, manifestamente exagerado em meu entender, mas tudo indica que seja essa dinâmica de atração a responder pelo oásis bracarense. O que corrobora a minha tese.

Neste contexto, a lei da concentração da população imposta pela atração da aglomeração e das suas amenidades manifesta-se cada vez com mais força e a raiz do fenómeno é ainda a mesma. A concentração favorece os saldos naturais (embora se vá esbatendo como a AMP o evidencia) e tende ainda por outro lado a favorecer a atração natural das migrações (por que razão os migrantes de Braga não preferiram a proximidade de Amares (-1,6%) ou Vila Verde (-3,0%), por exemplo?). Já o crescimento de Esposende (2%) parece ser o resultado de uma política urbana de aposta em amenidades residenciais, que honra o mandato do seu Presidente.

Quando mergulhamos na escala local (a perda demográfica global da região Norte é em si um facto relevante à escala regional), as perplexidades aumentam. Bem compreendo o amigo António Oliveira das Neves quando sinaliza que, numa primeira análise, não encontra correlações positivas entre políticas públicas e performances demográficas e ainda o compreendo mais e melhor quando me sinaliza o investimento público municipal de Ponte de Sor (infraestruturas e equipamentos económico-produtivos, serviços de interesse geral, amenidades urbanas e ambientais) em torno dos 20 M€, na última década, registando mesmo assim a quebra de 1.469 habitantes (-8,8%) como um verdadeiro “murro no estômago”. E o que dizer de uma política local inovadora e criativa como a desenvolvida pelo Presidente Paulo Fernandes no Fundão e apanha com cerca de 10% de queda de população?

É óbvio que os números não podem deixar de nos impressionar, mas tenho defendido que a magnitude do desafio enfrenta extremas dificuldades a nível local, sobretudo quando a resposta é naturalmente local mas isolada de qualquer concertação com a escala intermunicipal, seja a das CIM, seja a de uma outra geometria variável qualquer.

Em meu entender, há três motivos que explicam e que nos permitiam antecipar cruamente essa dificuldade.

Primeiro, é a própria magnitude do desafio que explica que o sucesso da resposta possível não possa cobrir a totalidade do território em declínio demográfico estrutural.

Segundo, a massa crítica demográfica interna disponível para reafetação de população está ela própria em declínio acelerado, conduzindo a uma concorrência feroz e que os números de Ponte de Sor explicam como é cruel essa concorrência.

Terceiro, o país não se organizou nem se movimentou para atrair e acolher população estrangeira como o mostram claramente os acontecimentos de Odemira. Defendo que sem uma gestão coletiva dessa atração de mão de obra assistiremos naturalmente a fenómenos degradantes daquela natureza, colocando população indefesa e que quer apenas trabalhar e melhorar o seu rendimento em condições indignas da civilização ocidental.

Quando comecei os meus estudos de economia desenvolvimento (bons tempos esses), uma das primeiras grandes controvérsias teóricas em que mergulhei foi a do crescimento equilibrado versus crescimento desequilibrado. Parece surreal que mais do que 60 anos depois esses princípios ainda nos sejam hoje úteis para saber o que fazer. E neste caso estamos no mundo do crescimento desequilibrado. Mas um dos pontos nevrálgicos desta abordagem é a grande exigência de acerto e intuição do planeamento, onde concentrar os ovos?, competência que a nossa máquina de planeamento tarda em desenvolver. De facto, nem há ovos de população suficiente para uma distribuição territorial alargada e seria necessária uma também gestão inteligente das disponibilidades de capital para alocar os ovos certos nessa dimensão em linha com a questão da atração de população.

É seguramente absurdo e paradoxal o que vou arriscar dizer: mas um entendimento ligeiro dos objetivos de equidade tenderá, nestas condições, a gerar uma situação típica de “lose-lose”, ninguém ganhará. Mas os verdadeiros constrangimentos são os da governança e governação: como identificar e concertar os territórios que poderão aspirar à atração de recursos e à geração de resultados?

Ó meu querido mês de agosto! Ainda que este ano bravio e instável, dá mesmo assim forças e imaginação a esta gente para pensar um pouco mais refletidamente no que fazer sobre o território.

Sem comentários:

Enviar um comentário