(Embora muito boa gente o recuse admitir, as relações entre o Barça como símbolo de afirmação regional e o independentismo catalão sempre foram de proximidade, sobretudo quando a burguesia catalã tinha representação política que se visse. E a saída de Leo Messi é apenas mais uma evidência do que já se adivinhava nos últimos tempos. Um Barça financeiramente roto e mergulhado nas sequelas da gestão mais incompetente e calamitosa é agora um símbolo das razões que retiraram da cena política a burguesia catalã e que precipitaram a Catalunha na vertigem de tudo querer e na mais completa indeterminação.)
Não vou entrar no preciosismo de debater se o Barça era mais símbolo do catalanismo ou se era também bandeira do independentismo catalão. Em boa verdade, acho que sempre foi as duas coisas, pendendo para um lado ou para o outro em função do peso relativo do catalanismo versus independentismo. Não conheço outro caso tão arreigado de transferência da afirmação regional de um clube desportivo como o do Barcelona. O FCP é na Europa talvez o que lhe esteja mais próximo, mas ainda a uma grande distância e sem ter na região de implantação a unanimidade arrasadora que o Barça apresenta na Catalunha.
A afirmação internacional do Barça na busca de um espaço próprio face ao de Madrid servia exemplarmente a necessidade de imagem internacional da Região e preencheu esse papel com evidência e denodo durante largo tempo. Os tempos de afirmação do Barça são contemporâneos da presença da burguesia catalã na governação política da Catalunha. A Convergència i Unió (CiU) de Jordi Pujol liderou durante largo tempo a Generalitat, assegurando por via de uma sagaz negociação política com Madrid, algumas vezes a roçar a chantagem política, o equilíbrio da contenção entre catalanismo e independentismo. Esse período correspondeu na minha leitura aos tempos do melhor Barça.
Mas como tantas vezes sucede, a patine do equilíbrio e da sagacidade política oculta problemas mais graves abaixo da superfície. E o desenvolvimento dos acontecimentos mostrou que por trás da liderança política da Convergència estavam pactos de corrupção no seio da burguesia catalã, que colocaram primeiro os Pujol em maus lençóis e a braços com a lei e fragilizaram depois aquela formação política a tal ponto que a afastaram do mapa político catalão. Ganância, má gestão e nepotismo vieram ao de cima e por estranha coincidência começou-se também a compreender que o Barça era também financeiramente insustentável.
O caso Messi, que abalará as boas consciências do Barça, foi apenas o culminar de problemas passados de evidência acelerada pela pandemia. E será estranho que não se venham a revelar problemas e desvarios similares ao que levaram à implosão da Convergència de Pujol e Más.
É verdade que o rival Madrid também não navega em mar tranquilo.
De qualquer modo, tais como abutres em procura de carne de melhor qualidade, as grandes organizações da financeirização mundial como a Goldman Sachs pairam sobre o futebol em busca das tais rendibilidades que o contexto de “zero lower bound” tem vindo a dissipar. Depois do falso tiro de partida da Super Liga Europeia, até será possível que Barça ou Madrid caiam nas boas graças desses abutres feitos aves delicadas e esbeltas. Mas se isso acontecer no caso do Barça, o tempo dos símbolos do catalanismo ou do independentismo estará ultrapassado, os tempos serão outros.
De qualquer modo, encontro no caso Messi um significativo paralelo com a queda aparatosa da Convergència e o começo do descalabro político catalão.
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