segunda-feira, 23 de agosto de 2021

AUTÁRQUICAS

 


(Estou com aqueles que consideram que as eleições autárquicas protagonizam o que de melhor a democracia nos oferece, não ignorando todos os tesourinhos mais ou menos deprimentes ou brejeiros que as campanhas locais por vezes veiculam. A democracia de proximidade e as condições de vida locais despertam os cidadãos e a confiança suscitada pelos candidatos sobrepõe-se a tudo o mais. Mas não é nessa perspetiva que quero construir o meu post de hoje. Opto pelo contrário por tentar identificar nas eleições de setembro dimensões políticas que transcendam essa proximidade do local. Não abundam, mas algumas justificam a reflexão.)

É verdade que o localismo exacerbado nos pode trazer aspetos deprimentes da nossa democracia. Todos o sabemos e as redes sociais são hoje um palco madrasto para os evidenciar. Mas, apesar disso, cada ciclo de eleições locais traz vivacidade ao nosso fraco quadro participativo e isso basta para que as glorifiquemos como uma das grandes expressões da democracia portuguesa de abril.

Mas a pergunta impõe-se: há condições para que algo de semelhante ao pântano de Guterres possa acontecer? Não creio e o próprio António Costa teve essa intuição quando preparou a entrevista ao Expresso antes de férias. Mas isso não significa que não haja nestas eleições matéria que pode transcender substancialmente os limites da política local.

O melhor método para defender a minha argumentação é identificar esses casos um a um.

Comecemos obviamente por Lisboa onde o PSD e a direita não socialista jogam a sua cartada em torno de um candidato, Carlos Moedas, que reúne o que mais próximo se situa dessa direita, que não conseguiu entretanto o pleno dos apoios, com a rocambolesca história da Iniciativa Liberal que optou por apresentar candidato próprio. Mas também em que o Chega joga talvez a sua eleição mais mediática e que, no lado oposto, PS e Livre ensaiam uma aproximação eleitoral que trará de novo Rui Tavares à ribalta política. Este contexto transcende obviamente a esfera da capital e à qual podemos ainda acrescentar o que valerá a candidatura do PCP com propostas de política de habitação (força amigo Josué) que valeria a pena discutir em maior profundidade dada a sua qualidade.

A seguir a Lisboa, colocaria a disputa eleitoral de Coimbra como a mais prometedora, sobretudo porque vai estar aí em confronto a continuidade de um dos Presidentes mais identificados com o tradicionalismo do PS, Manuel Machado, e a valia de uma candidatura abrangente (sete partidos), protagonizada pelo ex-bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, cujo principal desafio consistirá em manter no contexto desta agremiação de partidos o espírito da sua candidatura como movimento independente nas últimas eleições. A dinâmica cívica em Coimbra já viveu melhores dias e estou curioso quanto ao poder de resiliência de Machado, o qual na minha perspetiva já não consegue associar qualquer perspetiva de arejamento em termos de poder autárquico, como aliás se respira pela sua liderança da Associação Nacional de Municípios da qual não se consegue recordar uma ideia relevante que seja nos últimos tempos.

Estou em crer que as eleições no Porto não serão notícia, pois não me parece que a imprevidência de Rui Moreira quanto ao caso Selminho seja suficiente para despertar qualquer frisson eleitoral, mesmo que a atribulada candidatura do PS tenha encontrado em Tiago Barbosa Ribeiro um protagonista esforçado e bem-intencionado (saúdo o apoio de Rosário Gamboa ao candidato). O problema do PS Porto é que durante o interregno entre duas eleições desaparece como que por magia, talvez perdido sistematicamente entre as disputas internas de concelhia versus Federação, não dando origem a qualquer pensamento sistemático sobre a Cidade (e ainda menos sobre a Área Metropolitana), por muito que isso possa custar ao Universitário de serviço Professor Rio Fernandes e também a Manuel Pizarro que parece esgotar-se na sua newsletter ou nos seus posts de Facebook. Mas ainda não será desta que por via das locais o Porto sobe ao palco e isso desgosta-me profundamente.

Para além destes três casos, deterei a minha atenção em algumas disputas políticas PS versus PCP -CDU (Évora, Barreiro, Almada, entre outras), cujos resultados poderão ter implicações a nível nacional a sul do Tejo. Almada será um caso relevante, pois estarão aí em confronto uma candidatura de uma peso-pesado que voltará à liça (Maria Dores Meira que já não poderá recandidatar-se a Setúbal) e que enfrentará o que as más línguas designam por uma presidente PS, Inês de Medeiros) ausente (pelo menos da fama não se conseguiu livrar e a entrevista de Dores Meira ao Público foi contundente nesse aspeto). Tudo isto apimentado pela candidatura de Joana Mortágua em nome do Bloco de Esquerda.

O que significa que aparentemente a sul as hostes estão mais aguerridas e gente bem posicionada nos seus partidos não hesita em ir a jogo, coisa que cá por cima continua a ser raro. O que para mim tem significado político.

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