sexta-feira, 27 de maio de 2016

TRIBUTO A AGUALUSA



Uma entrevista reveladora de José Eduardo Agualusa na última “Revista do Expresso”. Reveladora de um homem, de um cidadão e de um artista. O pretexto próximo esteve na presença da versão em língua inglesa do seu romance “Teoria Geral do Esquecimento” na shortlist do prestigiado Man Booker International Prize. Ao que reagiu bem quanto à nomeação como quanto à não atribuição, aliás evidenciando a simplicidade sincera que distingue os melhores – “eu não acho, por exemplo, que o meu livro seja melhor do que o do Raduan Nassar” ou “não houve desilusão porque a minha expectativa quanto a uma possível vitória no prémio era zero”.

A reedição do livro em causa, que data de 2012, já está nas livrarias. Devorei-o numas horas. Cito meia-dúzia de breves passagens:

· “A minha família é esse menino, a mulemba lá fora, o fantasma de um cão. Vejo cada vez pior. Um oftalmologista, amigo do meu vizinho, esteve aqui em casa, a observar-me. Disse-me que nunca perderei a vista por completo. Resta-me a visão periférica. Hei de sempre distinguir a luz, e a luz neste país é uma festa. Em todo o caso não pretendo mais: a luz, Sabalu a ler para mim, e a alegria de uma romã todos os dias.”

· “Vão para o Paraíso as pessoas de quem os outros sentem a falta. O Paraíso é o espaço que ocupamos no coração dos outros. Isto era o que me contava a minha avó. Não acredito. Gostaria de acreditar em tudo o que é simples – mas careço de fé.”

· “Certas pessoas padecem do medo de ser esquecidas. A essa patologia chama-se atazagorafobia. Com ele sucedia o oposto: vivia no terror de que nunca o esquecessem. Lá, no Delta do Okavango, sentira-se esquecido. Fora feliz.”

· “A seguir ao 25 de Abril insistia em nos recordar a origem. Gabava-se de ter convivido com o Manguxi. Vê lá tu! Um tipo que durante todos aqueles anos nunca levantou a voz contra o colonialismo! Devo acrescentar, a bem da verdade, que não pactuava com racistas, lá isso não, mostrou-se sempre um tipo justo. Tratava brancos e pretos com idêntica arrogância.”

· “O meu pai era padre. Foi um bom padre, e um excelente pai. Até hoje desconfio dos padres sem filhos. Como é possível ser padre, não sendo pai? O meu ensinou-nos a ajudar os fracos. Naquela ocasião, quando o vi estendido no passeio, você me pareceu bem fraquito. Além disso, reconheci um dos polícias, um oficial da segurança, que havia estado no meu serviço a interrogar pessoas. Não gosto de polícias do pensamento. Nunca gostei. Então fiz o que a minha consciência me ordenou.”

· “Tudo o que é sólido se desmancha no ar, murmurou Monte, pensando em Marx, e pensando, como Marx, não em aviões, mas no sistema capitalista, que ali, em Angola, prosperando como bolor entre ruínas, vinha já apodrecendo tudo, corrompendo tudo, e, dessa forma, engendrando o próprio fim.”

Em síntese, e mesmo não estando eu em condições de me posicionar quanto aos méritos relativos da obra de Agualusa e da de Nassar ou da vencedora sul-coreana Han Kang, quero daqui testemunhar ao autor que me sinto a “ganhar humanidade” quando acedo ao seu trabalho – e este é notável e belíssimo.

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