NUNINHO E RAFA OU VICE-VERSA

(a partir de http://www.cmjornal.xl.pt)

Não sou um frequentador habitual do “Correio da Manhã”, jornal que aliás acho que nunca adquiri. Mas uma vez não são vezes e lá tive de solicitar à senhora da tabacaria um especial acesso ao dossiê de investigação sobre o escândalo BES que era publicado no Sábado passado. A principal informação dele constante é relevante – mesmo que não inédita nem confidencial, assim uma espécie de sabia-se sem se saber ao certo –, indicando designadamente que totaliza 6,6 mil milhões de euros (i.e., um valor que não anda distante de 10% do montante do resgate português de 2011) a dívida de apenas 21 entidades (e que entidades, na maioria dos casos!) ao banco resolvido e, portanto, ao atual Novo Banco.

Deixemos, por ora, os restantes (e todos terão boas histórias para contar...) para nos centrarmos no segundo maior devedor: nada menos do que a “Ongoing Strategy Investments”, a holding de uma Ongoing que tão badalada foi (e pretendida também, com a devida contratualização de figuras mediáticas como José Eduardo Moniz ou vindas da política como Agostinho Branquinho, Carlos Costa Pinto ou Guilherme Dray, segundo chefe de gabinete de Sócrates, sem esquecer uma rede que se estenderia, mais visivelmente, a Miguel Relvas e José Luis Arnaut, de um lado, ou a Pina Moura e Armando Vara, do outro) nos tempos áureos do Grupo Espírito Santo (GES) e do seu consentido domínio sobre a Portugal Telecom (PT); a dita agregava investimentos em telecomunicações, nos media, em serviços financeiros ou no imobiliário, mas o mais rigoroso será certamente dizer que vivia do valor das ações e dos dividendos da PT. Num texto de 2012, referindo-se aliás a uma investigação do “Público” que aqui já citamos (post de 28 de março), o jornalista Nicolau Santos fez no "Expresso" a “anatomia da Ongoing” em poucas penadas (ver abaixo) e dela concluía: “Avenças de empresas públicas, financiamento de bancos amigos, influência empresarial e política, ligações à maçonaria e às secretas: assim se construiu o império daquele que ia ser o maior empresário português do século XXI”.

Para maior comodidade de leitura, eis os catorze tópicos conclusivos que NS ali salientava sobre a dita Ongoing: “1) A Heidrich & Struggles foi o cavalo de Troia, através da qual a dupla Nuninho-Rafa (como se tratam) passou a gerir as carreiras de milhares de quadros médios superiores; 2) o Compromisso Portugal, que teve Rafael Mora por trás, visou a ligação à geração de empresários, gestores, políticos e jornalistas na casa dos 40 anos; 3) em 2003, o ex-ministro Pina Moura passa a consultor da H&S e transita depois para a Ongoing. Será presidente não-executivo da Media Capital e ascende a presidente da Iberdrola Portugal; 4) António Mexia, enquanto ministro, foi decisivo para abrir à H&S o acesso às grandes empresas públicas – e Mário Lino fundamental a alargar esse acesso: TAP, ANA, PT, EDP, Águas de Portugal, CTT, Carris, Estradas de Portugal; 5) foram essas avenças de empresas públicas (algumas escandalosas e outras sem justificação) que permitiram à dupla ganhar estofo financeiro para se abalançar a outros voos; 6) o saldo em frente é dado com a OPA da Sonaecom sobre a PT, em que Ricardo Salgado utiliza Nuno Vasconcelos (a quem financia) como testa de ferro para ajudar a travar a operação; 7) Mora elabora o novo governo de governação do BCP, que vai conduzir à rutura entre Jardim Gonçalves e Paulo Teixeira Pinto; 8) quando PTP abandona o banco e a solução Pinhal falha, é Mexia quem mexe os cordelinhos para colocar a administração da CGD à frente do BCP; 9) o BCP vai tornar-se em seguida o principal financiador da Ongoing; 10) o sistema de remunerações da administração da EDP, que tem proporcionado enormes bónus a Mexia, foi elaborado por Mora; 11) a estratégia exige uma imprensa submissa: o primeiro passo é a compra do ‘Económico’ por €27 milhões. O controlo sobre a TVI falha, o domínio sobre a Impresa também; 12) a estratégia exige uma enorme alavancagem financeira. A Ongoing lança fundos de investimento de alto risco, no qual investem PT (75 milhões), BES (180 milhões) e Montepio Geral (30 milhões); 13) a escalada exige também acesso a informações privilegiadas (a Ongoing contrata quatro espiões); 14) ...e ligações ao PSD e PS (vários ex-políticos trabalham para o grupo).”

O colapso do GES e da PT que lhe era adjacente determinou um fim anunciado para a Ongoing, a qual veio a avançar com um Pedido Especial de Revitalização (PER) no início de março, tendo-se entretanto conhecido o valor provisório das dívidas reclamadas pelos seus credores: mil duzentos e oitenta e quatro milhões de euros, arredondando por baixo. Uma verdadeira tragédia à portuguesa, ainda que com uma mãozinha espanhola de grande mestria estratégica a provir de Rafael Mora, com quem Nuno Vasconcellos (NV) – herdeiro da poderosa família Rocha dos Santos (a 21ª maior fortuna do país há dez anos atrás, muito por via de uma acumulação de riqueza ligada à Sociedade Nacional de Sabões), por um lado, e de um dos fundadores do “Expresso”, por outro, e desmedidamente ambicioso – fez amizade nos seus anos de trabalho na “Andersen Consulting”. Nos tempos de exibição ascensional, NV chegou a produzir afirmações fortes e supostamente impressivas (“Nós somos uma empresa de cariz familiar, com várias gerações, já passámos por grandes dificuldades, duas guerras mundiais, revoluções... e continuamos de cabeça erguida, com transparência e nada a esconder”), mas agora estará remetido ao Brasil, onde parece que vive muito confortavelmente e se diz que vai continuando a fazer negócios (?). Um verdadeiro conto de encantar!