(Metáfora da
situação portuguesa, sobretudo
do ponto de vista da articulação com a hoje desconjuntada construção europeia)
Quem joga regularmente ténis, a nível de singulares, ou tem uma noção mínima
sobre a lógica do jogo e do enfrentamento do adversário no lado de lá da rede,
sabe que há uma posição terrível, em que por vezes somos apanhados, e da qual só
os predestinados conseguem sair airosamente e sem mossa. Essa posição é a do
meio do court, que contrasta com a
mais defensiva posição do fundo do campo e a mais ofensiva junto à rede. É
curioso que quando se analisa a posição do meio do court como transição o seu
significado altera-se profundamente. Quando a transição se faz do fundo do
campo para a rede e por falta de determinação ou rapidez somos apanhados no
meio, ela revela incapacidade de avaliação da situação, seja porque precipitamos
a saída, seja por não termos tido forças para aguentar a rapidez exigida. Quando
a transição se faz no sentido inverso o significado muda radicalmente. Essa
transição significa recuo, debandada e é normalmente até mais mortífera.
Esta metáfora ocorreu-me nos últimos dias à medida que diferentes vozes, à
esquerda, ao centro e à direita se têm pronunciado sobre diferentes aspetos da economia
portuguesa, sempre no contexto do relacionamento com o estado da arte do projeto
europeu, se acaso continua a ser possível chamar-lhe assim. Muitas destas vozes
surgem a destempo, colocando-se a questão de saber “porquê só agora?”. Depois, muitos
desses pronunciamentos revelam fortes contradições relativamente ao modo como
foram vendo evoluir as próprias contradições da construção europeia, acerca das
quais nunca tiveram palavra crítica ou de alerta. A situação é preocupante,
pois face a todo este ruído, o imobilismo do PCP acaba por emergir como coerência.
Vejamos o exemplo da famigerada “espanholização” da banca, que tem suscitado
vigorosos testemunhos de que aqui del rey
vamos ser comidos pelos espanhóis. Muita desta gente que vem agora expressar o
seu repúdio pela presença excessiva da banca espanhola em Portugal aceitou sem
grandes preocupações a chegada do mais que suspeito dinheiro angolano à própria
banca e ficou indiferente às privatizações chinesas. E não ouvi muito destas
vozes a zurzir na incapacidade nacional de manter a banca fora das más influências
da ganância e do compadrio (veja-se os casos BPN, Banco Privado Português e as
habilidades do senhor Rendeiro e seus apaniguados, as malfeitorias de Jardim,
Beck e outros personagens no BCP e a mais recente patifaria do BES e seus
imensos súbditos beneficiários). Por isso, quando me confrontam com a ascensão
do Santander ou de La Caixa em Portugal e comparo essa ascensão com as
malfeitorias portuguesas, genuinamente portuguesas, não me venham com coisas
pois sinto-me como depositante bem mais à vontade com essa ascensão do que com
chineses ou angolanos. Também gostaria de saber onde estavam estas vozes quando
inexplicavelmente para alguns o governo Paf resolveu não aplicar a totalidade
do dinheiro da Troika no saneamento da banca.
A robustez do sistema financeiro não pode ser dissociada da robustez da
economia e da fortíssima integração com a economia espanhola. Alguém duvida de
que uma integração económica entre duas economias de muito desigual dimensão
favorece sempre a de maior dimensão quando nessa integração não há mecanismos
reguladores para compensar os mecanismos do desenvolvimento desigual?
Algumas destas personalidades, João Salgueiro à cabeça, descobriram agora
que a União Europeia é uma forte condicionante e que é uma profunda idiotice o
levantamento de dificuldades à recapitalização pública do banco público Caixa
Geral de Depósitos. Fico espantado quando estas mentes brilhantes descobrem que
a aplicação das leis da concorrência pela poderosa DG COMP não favorece o
desenvolvimento desigual no seio da União Europeia. E ainda mais espantado
quando descobrem agora que, tal como a deputada Elisa Ferreira oportunamente o
denunciou, a incompleta União Bancária pode ser um desastre e um aborto. Usando
a metáfora, parece que estas vozes ainda não se aperceberam que estamos
perigosamente no meio do court, sem
energia suficiente para chegar algo mais à frente e matar o ponto com um volley
mais elegante ou um smash demolidor. E, do ponto de vista político, está esta
gente disposta a apoiar os esforços de Costa na criação de melhores condições
de agilidade das regras europeias, invocando o desenvolvimento desigual? Porque,
sejamos claros, a alternativa de direita do Paf enquanto tal ou recomposta está
do lado do diretório europeu, com ele alinhando no vergar da ousadia de fazer
diferente. Não sejam hipócritas e definam-se. Querem recriar as instituições e
as regras europeias? É louvável, mas qual a abordagem política para o
conseguir? Não será seguramente potenciando o regresso da alternativa de
direita ao poder.
Agora do ponto de vista dos avanços ou recuos da construção europeia, das
suas regras e instituições, o meio do court
é insustentável. O recuo para o fundo do campo é possível, mas dada a relevância
do edifício do Euro, esse recuo implicaria uma rigorosa preparação das condições
de transição e não imagino condições políticas para o fazer, a não ser com a
emergência de uma grave deterioração da situação atual. O avanço para a rede
tenderá a implicar necessariamente mais perda de soberania e se o primado do
diretório subsistir vá la imaginar as consequências dessa progressão. Resta a
convicção de que se esse avanço se produzisse em pleno a União Europeia
disporia de melhores condições de mutualização dos riscos de choques assimétricos
na União.
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