domingo, 15 de maio de 2016

AS FUNDAS FERIDAS BRASILEIRAS

(Agustin Sciammarella, http://elpais.com)

(Alberto Benett, http://folha.uol.com.br)


Tão difícil é conceber-se maior trapalhada política do que aquela que se abateu sobre o Brasil como discernir a esta longa distância sobre os meandros e a partilha de razões da mesma. O que parece seguro é que o país se dividiu como nunca e com fraturas muito expostas: entre mais letrados e ricos e mais impreparados e pobres, entre estados centrais e estados periféricos relativamente ao poder, entre grandes cidades e meios mais pequenos e/ou rurais. O que parece também seguro é que é frouxa e pouco convincente a acusação que impende sobre a presidente Dilma e que – não obstante as muitas e indesculpáveis culpas que a gestão do PT exibe no cartório – aquilo de que se vem tratando neste processo de impedimento é de um aproveitamento duvidosamente legítimo (“golpe”, chamam-lhe com algum sentido os pêtistas e seus apoiantes) pela oposição (entre gente bem intencionada e outra movida por duvidosas agendas pessoais) de uma oportunidade de ouro para lograrem afastar o resistente PT do palco principal da política nacional. O que parece ainda seguro é que, se o presidente interino (Michel Temer) está longe de ser um personagem de fiar a variados níveis – e o governo que nomeou, cem por cento masculino e de raça branca (e contando com militantes de dez partidos, salvo erro, embora em menos oito ministérios do que o anterior), sinaliza um subdesenvolvimento cívico-democrático que já não é destes tempos –, há ministros cujo currículo impoluto e de dedicação à causa pública torna improvável que arriscassem pôr a sua credibilidade em causa sem uma forte convicção na solução em curso – o caso de José Serra no Itamaraty será disso o mais ilustrativo.

Ou seja: o PT abusou e deu o flanco, a sucessão de acontecimentos foi-se tornando unidirecionalmente maldita, os tucanos e seus aliados exploraram-no quanto puderam, a base política de apoio governista foi-se erodindo (com o PMDB, sobretudo, a navegar crescentemente ao sabor dos ventos), os ambiciosos e os delinquentes perspetivaram saídas felizes ou airosas e o sistema político democrático acabou a deixar a nu as fragilidades que de há muito vinha disfarçando. Num quadro destes, difícil mesmo é acreditar na viabilidade da regeneração que agora alguns já se puseram a anunciar...

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