(Sobre o peso
inexorável do tempo nos rostos que nos acompanharam)
Já perceberam que tenho um fascínio especial pelos
efeitos da passagem do tempo pelos rostos do espaço mediático que nos
acompanharam ao longo da vida, alimentaram fantasias, esperanças etéreas, ou
que simplesmente nos marcaram em certos momentos de fruição cultural, de dolce far niente ou até de leitura de um
jornal ou revista. Será talvez uma atração mórbida pelo espelho da nossa
própria passagem do tempo, mas, convenhamos, ninguém é perfeito.
O El País de
hoje (ver link aqui) traz matéria para uma dessas passagens do tempo. Mais propriamente o de Françoise Hardy (Tous les garçons et les filles de mon âge,
1962…).
A postura de estátua, em negro, que a fotografia de
Jean-Marie Périer acima nos oferece oculta uma espécie de ressurreição musical
que o artigo do El País documenta, após um período conturbado de doença e
depressão e que envolveu coma artificial após a muito comum queda no chuveiro sob
a desesperada ação do seu filho Thomas Dutronc (produto do seu tempestuoso
casamento com Jacques Dutronc). Depois do seu último álbum de 2012, em que a
faixa “Rendez-vous dans une autre vie”
era arrepiante (ver link aqui), Françoise regressa com uma participação num
álbum dedicado a Buddy Holly (It’s a teenager dream).
Quando e com que critérios uma personalidade com esta
reserva de passado decide colocar de vez um fim à sua carreira e aparecimentos
públicos? Quem é capaz de gerir este equilíbrio de autêntico fio de navalha,
sobretudo o que consiste em evitar que a decrepitude se manifeste nua e
cruamente? Do ponto de vista egoísta de quem a vê e a ouve esse momento
equivale a uma espécie de desaparecimento de bem público, que se transforma num
bem privado inacessível. Frequentemente são acontecimentos exógenos, como a
morte, as dificuldades financeiras, o esquecimento total pelo mercado. Creio
que raramente essa opção resulta da avaliação do tal equilíbrio.
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