domingo, 22 de maio de 2016

3,4% PARA O TGV ESPANHOL




(A megalomania da rede de alta velocidade em Espanha mostra como a bancarrota de 2011 também gerou efeitos positivos em Portugal)

Homem do planeamento e com largo tempo da minha vida profissional dedicado a essa atividade, não tenho qualquer dúvida em recordar que as previsões de tráfego que acompanharam os estudos para a implementação de uma rede de alta velocidade em Portugal, designadamente os que suportaram o projeto de ligação entre Lisboa e Madrid, estão entre os números mais despudorados e falaciosos com que alguma vez tive contacto. Face à entretanto abortada implantação do TGV em Portugal, ficamos limitados à avaliação do que vai entretanto acontecendo em Espanha, como indicador indireto de tal sobreavaliação de procura potencial para o empreendimento.

À medida que vamos conhecendo números, parcimoniosamente disponibilizados pela RENFE, sobre a evolução da procura para a rede de alta velocidade em Espanha, mais se me enraíza a ideia de que a supressão do projeto em Portugal foi o que melhor nos poderia ter acontecido. Há um número brutal que caracteriza o projeto em Espanha: os 47.000 milhões de euros de investimento até agora alocados à rede de TGV só respondem hoje por 3,4% dos 50 milhões de passageiros transportados em caminho de ferro em Espanha. Este número é brutal e dá por agora um custo de investimento por passageiro transformado que desafia a inteligência e o bom senso de cada um. E o que é ainda mais impressivo uma em cada quatro estações da rede já implantada acolhe menos de 100 passageiros por dia. O artigo do El País que despertou este post chega ao ponto de localizar algumas estações com 20 e menos passageiros por dia.

Conhecida a massa demográfica e territorial de Espanha estes números são aterradores. Os dados revelam que uma grande parte dos trajetos apresenta números de exploração positivos, embora a uma larguíssima distância de poder assegurar a cobertura futura do investimento realizado. Isto significa que o endividamento associado ao investimento continuará a ser um fardo poderoso.

Por contraponto à situação espanhola, tudo indica que a crise das dívidas soberanas escreveu direito por linhas tortas, anulando as pretensões da alta velocidade em Portugal. De mal o menos, já nos basta a fragilidade do sistema financeiro.

P.S. Entretanto as carruagens do Alfa agonizam esperando por manutenção decente. E já não falo no material que circula para o Douro!

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