(A megalomania da
rede de alta velocidade em Espanha mostra como a bancarrota de 2011 também gerou efeitos positivos em
Portugal)
Homem do planeamento e com largo tempo da minha
vida profissional dedicado a essa atividade, não tenho qualquer dúvida em recordar
que as previsões de tráfego que acompanharam os estudos para a implementação de
uma rede de alta velocidade em Portugal, designadamente os que suportaram o
projeto de ligação entre Lisboa e Madrid, estão entre os números mais despudorados
e falaciosos com que alguma vez tive contacto. Face à entretanto abortada implantação
do TGV em Portugal, ficamos limitados à avaliação do que vai entretanto
acontecendo em Espanha, como indicador indireto de tal sobreavaliação de procura
potencial para o empreendimento.
À medida que vamos conhecendo números, parcimoniosamente
disponibilizados pela RENFE, sobre a evolução da procura para a rede de alta
velocidade em Espanha, mais se me enraíza a ideia de que a supressão do projeto
em Portugal foi o que melhor nos poderia ter acontecido. Há um número brutal
que caracteriza o projeto em Espanha: os 47.000 milhões de euros de
investimento até agora alocados à rede de TGV só respondem hoje por 3,4% dos 50
milhões de passageiros transportados em caminho de ferro em Espanha. Este número
é brutal e dá por agora um custo de investimento por passageiro transformado
que desafia a inteligência e o bom senso de cada um. E o que é ainda mais
impressivo uma em cada quatro estações da rede já implantada acolhe menos de 100
passageiros por dia. O artigo do El País que despertou este post chega ao ponto de localizar algumas
estações com 20 e menos passageiros por dia.
Conhecida a massa demográfica e territorial de Espanha
estes números são aterradores. Os dados revelam que uma grande parte dos
trajetos apresenta números de exploração positivos, embora a uma larguíssima distância
de poder assegurar a cobertura futura do investimento realizado. Isto significa
que o endividamento associado ao investimento continuará a ser um fardo poderoso.
Por contraponto à situação espanhola, tudo indica
que a crise das dívidas soberanas escreveu direito por linhas tortas, anulando
as pretensões da alta velocidade em Portugal. De mal o menos, já nos basta a
fragilidade do sistema financeiro.
P.S. Entretanto as carruagens do Alfa agonizam esperando por manutenção decente. E já não falo no material que circula para o Douro!
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