(Embora mais
sóbria do que o forroboró do Congresso dos Deputados, a sessão do Senado brasileiro que consagrou
altas horas da madrugada o início do processo de destituição da Presidente
Dilma Roussef lança o Brasil num processo de incalculáveis riscos que mais
enraíza a minha perceção de que Portugal está no tempo errado de ligação às
suas parcerias naturais no Brasil, depois das peripécias angolanas)
Decididamente, a minha
incapacidade, apesar dos meus mais sinceros esforços de compreensão à
distância, para entender os meandros da realidade brasileira, é
sistematicamente reiterada pela evolução dos acontecimentos. Tudo isto
reconhecendo que não morro de amores pela personagem Dilma, apesar de todo o
seu passado antifascista, sobretudo pela sua falta de empatia com os
Portugueses, que a protagonista não se coíbe de revelar em todas as
oportunidades.
Ainda que o judicialismo
brasileiro tenha aparentemente ocupado um lugar mais recuado no palco das
atenções mediáticas e corrigido alguma trajetória de enviesamento com a sua
ofensiva dirigida a Eduardo Cunha, um outro passarão da política brasileira, e
a hoje anunciada autorização do Supremo da investigação ao líder da oposição
Aécio Neves. Isso dá ao ambiente um ar mais saudável. Mas não se compreende bem
os reais motivos do “impeachment” de Dilma, sobretudo com Michael Temer na
sucessão para a formação de governo. O El País de hoje invoca um deputado da
Baía que considera que o dito é o “típico mordomo de um filme de terror”. É claro
que se todos os passarões da política brasileira fossem objeto de abordagem,
uma ampla infraestrutura seria necessária para acolher a passarada sob anilha.
Ainda que a narrativa do golpe me pareça bastante esquemática, a formação de
governo por parte de Temer poderá esclarecer a que é que corresponde a
destituição sem que se perceba que alternativa política estável a saída de
Dilma poderá representar. Estaremos, como Lula o sugeriu à entrevista (aqui
comentada) ao The Intercept, numa
operação económica meramente instrumental para afastar o PT da linha da
governação, com tudo o que isso pode representar de inflexão dos avanços
distributivos que sobretudo nos tempos de Lula foram introduzidos? Ou será que
entre os votos no Congresso dos Deputados ou no Senado haverá a perspetiva
instrumental de procura de defesa de melhores condições de defesa política para
com irregularidades no cartório sob investigação?
Por informações que tenho de
empresários portugueses com experiência de investimento no Brasil, haveria
entre a classe empresarial algum cansaço provocado pela mais do que declarada
sobretaxa remuneradora do financiamento do PT, podendo discutir-se se essa
sobretaxa servia de facto o Partido ou se ficava encalhada em alguns bolsos
privilegiados. Em tempos de dificuldade económica, uma sobretaxa de 7 a 10%
causa sempre incómodo à rendibilidade.
Quanto ao PT ele parece
estranhamente liberto para retomar a sua natureza de partido de massas e
ocupação preferencial da rua como meio de luta política. A incerteza em que o
Brasil vai mergulhar, determinada sobretudo pela falta de respaldo popular de
Temer, vai ser um teste à pretensa emergência de uma classe média na sociedade
brasileira, esperança de reforço de valores democráticos em qualquer economia
emergente. Até à possibilidade real de novas eleições, interessa sobretudo avaliar em
que medida o anunciado governo liberal de Temer irá contribuir para a formação
de uma alternativa mais estável. Mas pelo que se sabe do passado político do
vice-Presidente de Dilma, será mais de “temer” do que esperar algo de
promissor.
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