terça-feira, 10 de maio de 2016

POR TERRAS DA CORUNHA




(Não pode dizer-se que a Diputación da Corunha tenha dinamizado suficientemente a divulgação da sessão comemorativa dos 30 anos de integração europeia de Espanha e Portugal, mas é sempre um prazer discutir a Europa, por pior que ela esteja, com amigos galegos)

O Sporting Clube Casino é uma daquelas instituições sociais recreativas que os espanhóis cultivam, com uma presença marcadamente urbana e central (neste caso em pleno distrito financeiro da Corunha, com o porto de mar no horizonte visual), hoje poiso e entretenimento de uma terceira idade avançada que mantém hábitos antigos entre amigos. O ambiente é muito “anos cinquenta-sessenta”, numa torre que abrange cafetaria, auditório, sala de estar, restaurante, atividades de ginásio e não sei que mais.

Foi nesse ambiente que a Diputación da Corunha através do seu centro de informação europeia decidiu organizar a sessão comemorativa dos trinta anos de integração europeia de Espanha e Portugal, na qual tive uma intervenção com os amigos Júlio Sequeiros Tizón da Universidade da Corunha e Fernando Salgado, jornalista da Voz da Galicia professor da Universidade de Santiago de Compostela.

Foi possível ao longo das intervenções e do debate que aconteceu depois compreender que a perceção que hoje os portugueses e espanhóis têm da integração europeia é substancialmente diferente, apesar das incidências gravosas em ambos do processo de ajustamento, sabemos que ditados por razões diferentes, em Espanha um problema do sistema financeiro e em Portugal com rotura de contas públicas e, hoje melhor evidenciado, também de rotura do sistema financeiro.

Apesar da dimensão social mais ampla que a crise provocou em Espanha por via dos desahucios (despejos de habitação própria ou arrendada), que o meu amigo Júlio considera ser uma incompetência flagrante do governo PP que com outra maestria teria atenuado o impacto social de tal fenómeno, percebe-se através da discussão que o horizonte de esperança dos espanhóis não tem comparação com o que se abre aos portugueses e aos seus jovens. O tempo está a jogar a favor do governo de Rajoy e a situação macroeconómica espanhola é incomparavelmente melhor do que a portuguesa (descontando o problema crónico do desemprego espanhol sempre mais elevado do que o português) após os dois processos de ajustamento. Tudo indica que os espanhóis terão concretizado atempadamente o saneamento do seu sistema financeiro, ao passo que os portugueses continuam a ser surpreendidos com imparidades e vigarices, tudo pelo preço de uma saída limpa para eleitor votar e massajar o ego de alemães e europeus do Norte.

Também entre os três palestrantes houve nuances diferenciadas quanto às perspetivas do projeto europeu, diria que eu e o Fernando Salgado partilhamos a ideia de uma crise de procura global determinada pela incapacidade europeia de colmatar por via da política fiscal as ineficácias da política monetária do Banco Central Europeu, com o Júlio Sequeiros a forçar mais a nota da crise de endividamento das economias do sul que na sua perspetiva só o tempo permitirá colmatar quando a inflação repuser o valor dos ativos que determinaram o endividamento. Em meu entender, essa inflação não virá enquanto o problema de procura global não for resolvido e as instituições europeias clarificarem se o movimento no projeto europeu é de recuo ou de avanço. Enquanto Júlio Sequeiros parte da inevitabilidade da posição alemã que não arredará um milímetro da sua posição, a minha interpretação é de que com essa rejeição alemã é tudo uma questão de tempo para assistirmos ao enterro definitivo do projeto.

Fora da palestra, houve tempo para discutir a situação política espanhola e o seu reflexo na Galiza. Estou cada vez mais convencido que o PSOE não vai ser capaz de capitalizar a situação de impasse criado com as segundas eleições em junho próximo. O eleitorado espanhol pensa maioritariamente que o PSOE deveria ter aceite ir com exigências claras e percetíveis para uma negociação política com o PP e com o CIUDADANOS e que ao colocar essa linha vermelha hipotecou de vez qualquer hipótese de regresso ao poder. Na Galiza, o que é mais marcante é a queda pronunciada, com riscos de desaparecimento político, do Bloco Nacionalista Galego, queimando a uma velocidade vertiginosa inúmeras personalidades políticas de valia regional. A ponto de o velho Professor Xosé Manuel Beires emergir no seio do movimento ANOVA como a única alternativa política credível ao governo PP. Do PSOE galego nem vê-lo também. É impressionante como o tempo acelerado da política espanhola queima políticos a uma velocidade estonteante. Tenho em falta outras conversas com outros amigos galegos para uma mais completa visão desta aceleração.

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