(Seis meses de
governação PS com apoio parlamentar à esquerda, mixed feelings com dominante positiva)
A fotografia do executivo ministerial mais secretários de Estado, sem
gravata, com e sem casaco (tão desprotegidos ficam os governantes sem gravata e
o fatinho escuro), no Palácio da Ajuda, serve de representação simbólica de
seis meses de governo.
Se descontarmos o tempo de tratamento dos esqueletos no armário deixados
por Passos e sobretudo Maria Luís, esqueletos sobretudo bancários e financeiros
e que esqueletos, seis meses não é tempo bastante para uma avaliação rigorosa do
que a governação à esquerda nos trouxe. Mas com o simbolismo da reunião da Ajuda
e mesmo escrevendo sem conhecer o teor do que lá terá sido discutido, o próprio
governo aceita implicitamente que seis meses é já tempo suficiente para que os
portugueses possam perceber o que pode ser esperado desta experiência governativa.
Tenho mixed feelings sobre os
resultados efetivos da governação, com dominante positiva determinada sobretudo
pela ruína da estratégia política com que principalmente o PSD pretendeu influenciar
os portugueses para uma apreciação negativa do governo de Costa. Passos e seus
acólitos traçaram cenários de catástrofe e de instabilidade permanente e saíram-se
mal com tal posição. Tal como Rui Vitória beneficiou da falta de maneiras de
Jesus, também a meu ver o governo de Costa beneficiou do espectro de
instabilidade que a direita recebeu o novo governo. Mas esse ganha vantagem determinado
pela posição do adversário está a esgotar-se e é tempo de contar com as próprias
forças, até porque a direita corrigiu o tiro e está hoje largamente dependente
da posição da Comissão Europeia e da intransigência de Bruxelas.
Acho que o primeiro fator a favor da governação em curso deriva do
cumprimento de promessas, o que nos tempos que correm não é coisa pouca. As
promessas dos acordos com o PCP e Bloco de Esquerda lá se vão cumprindo, sabe-se
lá com que dificuldades e que ginástica negocial. Essas dificuldades são mais visíveis
no fácies de Mário Centeno (não seria possível conter aquele sorriso tão inestético
para português ver?) do que na aparente tranquilidade olímpica de António Costa.
As dificuldades dessa ginástica vão inapelavelmente aumentar e a questão dos
portos e das 35 horas vão ser um teste importante à solidez do apoio
parlamentar, com a CGTP a esticar a corda para além do admissível, atendendo ao
teor nevrálgico, contas públicas e exportações, dos dois processos. Mas seis
meses de cumprimento de posições anteriormente enunciadas já é obra bastante.
Mas há pelo menos dois outros domínios em que a sensatez e competência da
governação se tem feito sentir, a saúde e a justiça. Tal como noutras matérias,
também aqui o governo de Costa beneficia claramente do casting, o ministro e a ministra são de facto duas peças nevrálgicas
da governação atual. É sobretudo decisiva a serenidade dos mesmos, o tom certo da
comunicação com o exterior, público e comunicação social. Por aqui, a meu ver,
o governo permanecerá sólido.
A um outro nível e largamente beneficiada pela sobrevalorização do novo SIMPLEX
como fator de dinamização da economia (e já explicarei porquê!), Maria Manuel
Leitão Marques traz na modernização administrativa um reforço de peso ao
primeiro-ministro, apesar da sua silhueta frágil. Mas nestas coisas de modernização
administrativa, o melhor é não contar apenas com o que é anunciado nos Power Points e esperar pelo avanço e
impacto concreto das medidas. Tenho vasta experiência de acompanhamento de períodos
de programação nesta matéria e bem sei que a relação entre a informática e a modernização
administrativa nem sempre é tão fluida como as apresentações sugerem. Por
exemplo, não está ainda a funcionar em plenitude o sistema de informação de suporte
ao Portugal 2020 e estamos já a meio de 2016. Para além disso, ninguém contesta
que a simplificação anunciada terá efeitos nos chamados custos de contexto e
poderão contribuir para aumentos da tão depauperada produtividade global dos
fatores, a chamada eficiência global da economia. Mas daí, e ignorando para o
efeito a imagem comunicacional da vaca voadora, esperar que a redução dos
custos de contexto seja suficiente para relançar o investimento privado vai uma
grande distância que certamente o primeiro-ministro, espera-se, terá em devida
conta. A meu ver, é curto para desenhar um horizonte de menor incerteza e
indeterminação para o investimento privado. Esta é para mim a grande pecha da
governação atual. Não está traçado um horizonte coerente para o relançamento do
investimento privado e o enquadramento internacional não ajuda, antes perturba.
Ora sem que o investimento público possa colmatar essa insuficiência e com os
esqueletos do armário do sistema bancário mais vivos do que nunca, seria bom
que o governo e a maioria parlamentar acordassem para esta questão, sob pena
dos dados dos futuros trimestres da conjuntura económica nacional continuarem a
traçar uma trajetória de crescimento ainda bastante anémica.
Claro que para os registos mediáticos ficarão sobretudo algumas
inabilidades, das quais se destaca o modo como o ministro da Educação e o governo
se deixaram apanhar no debate ideológico dos contratos de associação dos colégios
privados sem o poderem levar até ao fim, já que não era isso que estava em
jogo.
Mas, no meu modesto entender, essas inabilidades podem moer, podem até determinar
algumas setas para baixo, mas o nó górdio da governação está na sua relação com
o horizonte do investimento privado. Ignorar essa centralidade a troco de algumas minudências para
jornalista explorar não anunciaria nada de bom para um novo semestre, mesmo com o verão pelo meio.
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