quinta-feira, 26 de maio de 2016

SEIS MESES!




(Seis meses de governação PS com apoio parlamentar à esquerda, mixed feelings com dominante positiva)

A fotografia do executivo ministerial mais secretários de Estado, sem gravata, com e sem casaco (tão desprotegidos ficam os governantes sem gravata e o fatinho escuro), no Palácio da Ajuda, serve de representação simbólica de seis meses de governo.

Se descontarmos o tempo de tratamento dos esqueletos no armário deixados por Passos e sobretudo Maria Luís, esqueletos sobretudo bancários e financeiros e que esqueletos, seis meses não é tempo bastante para uma avaliação rigorosa do que a governação à esquerda nos trouxe. Mas com o simbolismo da reunião da Ajuda e mesmo escrevendo sem conhecer o teor do que lá terá sido discutido, o próprio governo aceita implicitamente que seis meses é já tempo suficiente para que os portugueses possam perceber o que pode ser esperado desta experiência governativa.

Tenho mixed feelings sobre os resultados efetivos da governação, com dominante positiva determinada sobretudo pela ruína da estratégia política com que principalmente o PSD pretendeu influenciar os portugueses para uma apreciação negativa do governo de Costa. Passos e seus acólitos traçaram cenários de catástrofe e de instabilidade permanente e saíram-se mal com tal posição. Tal como Rui Vitória beneficiou da falta de maneiras de Jesus, também a meu ver o governo de Costa beneficiou do espectro de instabilidade que a direita recebeu o novo governo. Mas esse ganha vantagem determinado pela posição do adversário está a esgotar-se e é tempo de contar com as próprias forças, até porque a direita corrigiu o tiro e está hoje largamente dependente da posição da Comissão Europeia e da intransigência de Bruxelas.

Acho que o primeiro fator a favor da governação em curso deriva do cumprimento de promessas, o que nos tempos que correm não é coisa pouca. As promessas dos acordos com o PCP e Bloco de Esquerda lá se vão cumprindo, sabe-se lá com que dificuldades e que ginástica negocial. Essas dificuldades são mais visíveis no fácies de Mário Centeno (não seria possível conter aquele sorriso tão inestético para português ver?) do que na aparente tranquilidade olímpica de António Costa. As dificuldades dessa ginástica vão inapelavelmente aumentar e a questão dos portos e das 35 horas vão ser um teste importante à solidez do apoio parlamentar, com a CGTP a esticar a corda para além do admissível, atendendo ao teor nevrálgico, contas públicas e exportações, dos dois processos. Mas seis meses de cumprimento de posições anteriormente enunciadas já é obra bastante.

Mas há pelo menos dois outros domínios em que a sensatez e competência da governação se tem feito sentir, a saúde e a justiça. Tal como noutras matérias, também aqui o governo de Costa beneficia claramente do casting, o ministro e a ministra são de facto duas peças nevrálgicas da governação atual. É sobretudo decisiva a serenidade dos mesmos, o tom certo da comunicação com o exterior, público e comunicação social. Por aqui, a meu ver, o governo permanecerá sólido.

A um outro nível e largamente beneficiada pela sobrevalorização do novo SIMPLEX como fator de dinamização da economia (e já explicarei porquê!), Maria Manuel Leitão Marques traz na modernização administrativa um reforço de peso ao primeiro-ministro, apesar da sua silhueta frágil. Mas nestas coisas de modernização administrativa, o melhor é não contar apenas com o que é anunciado nos Power Points e esperar pelo avanço e impacto concreto das medidas. Tenho vasta experiência de acompanhamento de períodos de programação nesta matéria e bem sei que a relação entre a informática e a modernização administrativa nem sempre é tão fluida como as apresentações sugerem. Por exemplo, não está ainda a funcionar em plenitude o sistema de informação de suporte ao Portugal 2020 e estamos já a meio de 2016. Para além disso, ninguém contesta que a simplificação anunciada terá efeitos nos chamados custos de contexto e poderão contribuir para aumentos da tão depauperada produtividade global dos fatores, a chamada eficiência global da economia. Mas daí, e ignorando para o efeito a imagem comunicacional da vaca voadora, esperar que a redução dos custos de contexto seja suficiente para relançar o investimento privado vai uma grande distância que certamente o primeiro-ministro, espera-se, terá em devida conta. A meu ver, é curto para desenhar um horizonte de menor incerteza e indeterminação para o investimento privado. Esta é para mim a grande pecha da governação atual. Não está traçado um horizonte coerente para o relançamento do investimento privado e o enquadramento internacional não ajuda, antes perturba. Ora sem que o investimento público possa colmatar essa insuficiência e com os esqueletos do armário do sistema bancário mais vivos do que nunca, seria bom que o governo e a maioria parlamentar acordassem para esta questão, sob pena dos dados dos futuros trimestres da conjuntura económica nacional continuarem a traçar uma trajetória de crescimento ainda bastante anémica.

Claro que para os registos mediáticos ficarão sobretudo algumas inabilidades, das quais se destaca o modo como o ministro da Educação e o governo se deixaram apanhar no debate ideológico dos contratos de associação dos colégios privados sem o poderem levar até ao fim, já que não era isso que estava em jogo.

Mas, no meu modesto entender, essas inabilidades podem moer, podem até determinar algumas setas para baixo, mas o nó górdio da governação está na sua relação com o horizonte do investimento privado. Ignorar essa centralidade  a troco de algumas minudências para jornalista explorar não anunciaria nada de bom para um novo semestre, mesmo com o verão pelo meio.

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