(Reflexões sobre
a quase que concretizada ascensão ao poder da extrema-direita austríaca, mitigadas
por notícias provenientes de Malmӧ, terceira cidade sueca, onde a dinâmica
decorrente da chegada de refugiados sírios dá sinais positivos de integração)
Pura ironia eleitoral, os resultados das eleições
na Áustria estiveram dependentes dos votos por correio, com o Partido da
Liberdade de Norbert Hofer inicialmente à frente com uma margem de 140.000
votos do partido dos Verdes. Os resultados finais acabaram por dar a vitória ao
candidato desta última força política. De qualquer modo, projetando a quase que
concretizada vitória da extrema-direita poderíamos ter assim uma perigosa
deriva de conservadorismo extremo que envolveria a Áustria, a Hungria, a
Polónia e a Eslováquia com quatro mensagens bem marcantes: nacionalismo, anti-imigração
europeia, anti-islamismo, anti União Europeia (ver a crónica de Alex
Barker no Brussels Briefing do Financial Times). Não é preciso ser um cérebro
iluminado para imaginar o impacto que tal frente produziria no conservadorismo
alemão latente. E temos assim que, perante um diretório europeu que se esmerou
na defesa a todo o custo do seu projeto económico, se forma nas suas barbas um
arco manifestamente antieuropeu que anuncia, sejamos claros, a lenta implosão
do projeto europeu tal como os seus principais fundadores o tinham concebido.
A ascensão das quatro mensagens atrás assinaladas
exige, claro está, uma explicação bem mais profunda do que o alcance deste post. Há várias pistas a seguir.
Primeiro, o confronto das expectativas anunciadas
para o projeto europeu com a estagnação económica e ameaças deflacionárias que
se abateram sobre a União sobretudo na sequência da Grande Recessão de 2007-2008.
É de facto difícil justificar o aprofundamento da União Europeu com resultados
tão pobres em termos de crescimento económico, sobretudo pelo que está aqui
implícito de não consolidação por parte da Europa de uma posição face à
globalização. Essa limitação é sobretudo relevante quando mais se percebe que
ficar a meio de um percurso é sempre mau, principalmente porque o diretório
europeu não pactou com os eleitores nacionais as sucessivas fases de
aprofundamento do projeto. O “nem carne
nem peixe” favorece o nacionalismo, sobretudo porque a integração não tem
proporcionado resultados que se vejam.
Podem, entretanto, buscar-se razões mais profundas. Num artigo de opinião
para o New York Times de hoje, “Letter from Austria: is Europe’s ‘Tolerant Society’ Backfiring?”(link aqui),
William Egginton discute os termos em que o respeito pela
tolerância social (religiosa, cultural ou de outra natureza) pode ser objeto de
proteção legal, sempre sob a ideia, frequentemente esquecida, de que não pode
haver tolerância com os que ameaçam os nossos próprios valores de tolerância e
liberdade. Tal como o “serial killer”
consegue por vezes vitórias importantes insinuando-se na cabeça dos seus
perseguidores, também o islamismo radical pode conseguir vitórias relevantes
obrigando implicitamente as sociedades ocidentais mais tolerantes a violar os
seus próprios princípios. O artigo de Eddington é sugestivo pois contrapõe a
ascensão da extrema-direita austríaca a uma notícia isolada de jornal na qual
se anuncia que um (a) professor (a) processou o pai muçulmano de um aluno por
se ter recusado a cumprimentá-la. O autor explora sobretudo o confronto com a
situação americana, na qual não seria possível processar judicialmente o pai
muçulmano à luz da Primeira Emenda. Fica no ar, discussão mais profunda seria
exigida, a possibilidade de uma insistência excessiva na tolerância poder
provocar ela própria novas formas de intolerância.
Em contraponto claro com esta onda, o Guardian publica uma crónica do seu jornalista residente Richard Orange, na qual se dá
conta da dinâmica de animação urbana (gastronómica, mas não só) que os
refugiados sírios vieram trazer à terceira cidade da Suécia: “Entre os
residentes de Malmӧ, contam-se algumas das histórias de maior êxito das três
décadas de imigração na cidade. Cerca de 43% dos 317.000 residentes têm um
passado estrangeiro, com os 40.000 iraquianos e seus descendentes a representar
o grupo mais importante. Em conjunto transformaram a cidade que no início dos
anos 80 estava numa depressão profunda após o colapso da sua indústria de
construção naval, que provocou que um em cada sete habitantes abandonasse a
cidade fazendo a população descer para 230.000 habitantes. ‘Malmӧ nos anos 90
era um lugar deprimente: toda a gente era miserável’ recorda Christer Havung,
cujo café, Bröd och Vänner, está localizado perto da zona agora florescente.”
A crónica de Orange termina com esta afirmação de um sírio que montou o seu
restaurante na cidade: “Irão perceber que
a população Síria é muito diferente de outras nacionalidades, porque gosta de
trabalhar. Não gostamos de depender em tudo do governo”.
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