(Autoridade para
os pequenos e fracos e condescendência com os poderosos)
Não tenho dúvidas de espécie
alguma quanto às dificuldades e até impasse que a evolução macroeconómica
nacional (sobretudo quando comparada com a da UE e da Espanha em particular)
está e irá colocar ao governo do PS com apoio parlamentar à esquerda. Por força
das circunstâncias da negociação com a Comissão Europeia, das dificuldades
estruturais da situação de partida e dos próprios equilíbrios do acordo à
esquerda, a estratégia macroeconómica do governo de António Costa nem é carne,
nem peixe. Ou seja, por um lado, não pode concretizar um estímulo à procura
interna que se veja. Por outro, a situação internacional, sobretudo a que está
criada nos mercados de refúgio de exportações nacionais também potencialmente
atingidas pelo estímulo ao consumo interno (como Angola), não permite grandes
veleidades em matéria de procura externa. Os dados do 1º trimestre de 2016, já
aqui comentados e comparados com a evolução da zona Euro (periclitante, mas
mesmo assim com diferencial de crescimento significativo face aos números
portugueses), são de facto mau augúrio e vão exigir forte discussão no seio da
maioria parlamentar e negociações duras com Bruxelas.
Embora o lamente, tais
dificuldades não são para mim surpresa. Com um estímulo ao consumo a meio gás e
a capacidade limitada de absorção de importações na economia europeia e outros
mercados nossos clientes, tudo residiria no investimento. Ora, aqui, sem
reestruturação de dívida, o investimento público está confinado à margem de
manobra dos apoios dos Fundos Estruturais. A partir do momento em que o
Portugal 2020 esbateu a dimensão infraestrutural, por razões óbvias, a
tradicional almofada de emprego que aqueles fundos asseguravam, sobretudo na
fase de concretização dos projetos apoiados, está também limitada. Além de que,
dada a exacerbada aposta em infraestruturas que os anteriores períodos de
programação consagraram, para uma economia pequena como a portuguesa não é
fácil encontrar novas infraestruturas que resistam a análises custo-benefício
mais rigorosas. Assim sendo, resta um discurso coerente de relançamento do
investimento privado a que a maioria parlamentar continua resistente, com
graves implicações no comportamento da formação bruta de capital fixo. Imagino
como seja complexo suscitar esta discussão com o PCP e com o Bloco, ambos mais
focados em denunciar os malefícios da pressão comunitária (o que é legítimo).
Mas sem o desenvolvimento de uma frente de clarificação do impulso a dar ao
investimento privado e enquanto não houver maior margem de manobra para o investimento
público, será praticamente impossível esperar melhores números.
Ora é na dimensão comunitária
que emerge cristalina como a água do Paiva que visitei no domingo passado a
posição recentemente assumida em carta dirigida à CE pelo Partido Popular Europeu,
muito na linha do “mata e esfola” das sanções por incumprimento dos objetivos
do défice público. Compreende-se que, dadas as diferenças assinaláveis de
desempenho macroeconómico das economias espanhola e portuguesa, o mesmo défice
público não tenha o mesmo significado do ponto de vista da sua sustentabilidade
futura. Mas ignorar que o défice de 2015 em Portugal ainda está umbilicalmente
ligado à ideia da saída limpa que foi vendida com ampla anuência comunitária
(neste caso a posição do FMI tem sido mais coerente) aos portugueses nas
eleições de outubro de 2015 é pura falta de decoro e uma descarada intervenção
política dos parlamentares europeus. Neste quadro de manifesta ingerência
política, mais se lamenta o calamitoso estado de representatividade e de
posicionamento de cócaras dos socialistas europeus. É também insustentável a
posição dos populares europeus nacionais, abrindo caminho a uma infindável
discussão sobre o arremedo do seu patriotismo. O nosso beato Paulo Rangel
afirma candidamente que desconhecia a carta do presidente do Popular Europeu e
não tira consequências de tal desconhecimento.
Ora com toda esta falta de
vergonha dos populares europeus que confirmam preto no branco o diferente
tratamento no passado de Espanha e Portugal e com a falta de espinha (já
demasiado dobrada e por isso dificilmente endireitável) dos socialistas
europeus), não é difícil imaginar que a maioria parlamentar vá projetar-se no
inimigo externo. O que é paradoxalmente um passo acelerado para a não
compreensão de que sem um horizonte claro para o investimento privado a
economia portuguesa continuará a penar com crescimentos irrelevantes, do tipo
dos do 1º trimestre. O contributo do turismo no segundo e terceiro trimestres
certamente emergirá, mas são legítimas as dúvidas sobre a dimensão do efeito
económico que ficará limitado à economia informal.
Embora estando fora e
substituído por um Jorge Coelho que decididamente quer estar de bem com Deus e
com o diabo, parece-me que será agora que Costa vai enfrentar a quadratura do
círculo. Que os deuses o ajudem e se possível a sua rede de colaboradores mais
próximos também.
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