(Imagem com que o Financial Times acompanha o artigo de Lawrence Summers a que se faz referência no texto)
(Nunca como hoje a distinção necessária entre taxas de juro
de curto prazo e a taxa de juro natural ou R-Star como lhe chama John C. Williams
que preside ao Banco da Reserva Federal de S. Francisco e tem assento no
FED-USA é crucial para anteciparmos o futuro. O debate não tem
aplicação imediata na economia portuguesa, mas convém não o ignorar).
A subida das
taxas de juro de referência para a economia portuguesa faz parte da carteira
de ameaças que os menos indulgentes para com o estado atual da economia portuguesa
associam à prosaica vinda do diabo, que felizmente perdeu força na discussão
política em Portugal. Essa invocação por antecipação subiu de tom quando na
Reserva Federal americana os falcões se sobrepuseram aos moderados e aumentaram
pela primeira vez, depois de muito tempo, as taxas de juro de referência. Para
lá da vulgata interesseira do diabo, compreende-se os receios quanto às taxas.
A dívida pública em termos globais e em percentagem do PIB permanece muito
elevada para uma economia de pequena dimensão como a nossa. O resgate de 2011
introduziu um padrão que é difícil apagar no futuro imediato. O país não tem o
estatuto de um acolhedor natural de financiamento externo que disfarça noutros
países a ameaça da dívida. E para além disso, a todo o momento, o desvario
italiano pode finalmente contrariar o “Too
big to fail”. E não ignoremos que a reestruturação interna da dívida para
reduzir a taxa média de juro dos nossos compromissos ainda está em curso, pelo que
as vulnerabilidades existem. Mais do que ninguém, Mário Centeno sabe disso e
embora não o invoque demasiadas vezes junto dos seus parceiros de acordo
parlamentar à esquerda isso não significa que não esteja desperto para essa eventualidade.
Até porque não sabemos se depois de Draghi virão personagens que entendam a situação.
Ao contrário
do que muito boa gente pensa, um bom economista não significa que seja um bom adivinho
do comportamento das taxas de juro. Certamente que o universo dos erros de
expectativas estará cheio de economistas competentes e até macroeconomistas de
profissão. O que pode fazer é explicar com maior ou menor profundidade de perspetivas
de análise o contexto em que o comportamento das taxas se inscreve.
É nesse contexto
de melhor compreensão do contexto em que diferentes fatores podem ocorrer que
tem relevância distinguirmos entre as condições de crescimento económico e de
mercado de trabalho a curto prazo que podem influenciar as taxas de juro e as condições
estruturais e de longo prazo que condicionam as taxas de juro. As primeiras estão
regra geral na base das decisões dos bancos centrais que fixam as taxas de
referência. As segundas relevam de outra natureza, apontam para os fatores
estruturais de longo prazo e estão na base do que os macroeconomistas designam
de taxa natural de juro. Embora haja variantes de definição, a taxa natural de
juro ou de equilíbrio de longo prazo é a taxa real de juro que tende a fixar-se
estavelmente quando a economia está no seu máximo potencial de crescimento ou lá
perto. Já aqui repetidas vezes sublinhei a necessidade de modéstia nestas
coisas. É que não é líquido que todos os macroeconomistas concordem sobre os cálculos
e operações a realizar para avaliar se a economia está ou não no seu máximo
potencial.
Ora, sobretudo
a partir da ação de economistas americanos (e citarei dois), é hoje possível apreender
que estes dois níveis de determinação e influência das taxas de juro apresentam
hoje pressões diferenciadas. No que respeita às taxas de juro de curto prazo,
depois de larga hesitação, a aproximação da economia americana dos níveis de
produto máximo potencial levou o FED a traçar uma trajetória de subida (modesta,
diga-se) de taxas de referência. Janet Yellen não se esqueceu que uma subida
precoce e inoportuna de taxas é bem mais nefasta do que a necessidade de as
subir para corrigir a posteriori
sinais inflacionistas evidentes. O novo inquilino do FED é menos sensível a essa
preocupação e parece mais próximo de falcões apontados à política monetária restritiva
do que dos moderados. Nessa perspetiva, não parece arriscado admitir que a pulsão
no curto prazo será de subida. Como é óbvio, por exemplo, se o desvario
italiano se tornar real e se o edifício do Euro estiver de novo ameaçado,
outros fatores conjunturais poderão sobrepor-se aos ventos de subida que sopram
dos EUA.
Outra questão
bem diferente é o comportamento previsível da taxa de juro de equilíbrio de
longo prazo que algumas estimativas (diga-se que não menos complexas do que as
do produto potencial) apontam para um valor de 0,5%.
Em 6 de maio
de 2018, apesar do comportamento da economia americana, não tão comparativamente
brilhante face a períodos anteriores como a fanfarronice de Trump sugere, Lawrence
Summers que cunhou o termo da estagnação secular, trazendo a designação de
Alvin Hansen para os tempos de hoje, afirmava no Financial Times que essa
ameaça não se tinha desvanecido. O que é a mesma coisa que dizer que a taxa
real de juro de equilíbrio não tem condições decisivas para aumentar significativamente
acima do valor atrás referido dos 0,5%. A explicação é simples e resume-se a
uma pergunta orientadora: os fatores estruturais que estão por detrás da ameaça
da estagnação secular dissiparam-se ou permanecem influentes? A resposta parece
clara: nada de substancialmente diferente aconteceu com a chegada de Trump ao
poder em matéria desses fatores. E até poderemos dizer que pela primeira vez uma
presidência faz parte do desconchavo da incerteza, rebaixando a confiança
necessária para o investimento de mais longo prazo.
É aqui que
tem muito interesse a leitura do artigo que John C. Williams acaba de publicar
na Economic Letter do Banco da Reserva
Federal de S. Francisco. O macroeconomista americano preside ao FRBSF e tem
assento na equipa do novo presidente Powel do FED USA. Não é por isso um perigoso
economista radical como as tropas de Trump poderiam designá-lo. Williams
recorda que os três fatores cruciais que influenciam a taxa de juro real de
equilíbrio de longo prazo, que designa de R-Star
são: o declínio demográfico, a desaceleração da produtividade e o aumento da procura
de ativos seguros. Todos estes três fatores mantêm-se atuantes e influentes no
sentido da manutenção da R- Star a níveis baixos. A questão demográfica vem
associada ao aumento da esperança de vida que tende a prolongar os padrões de
poupança elevada (não apenas os alemães) e a rebaixar a taxa de juro. Veicula também
menos gente para o mercado de trabalho, apontando na mesma direção de efeitos. A
desaceleração da produtividade continua apesar de todas as promessas tecnológicas
da robotização e da inteligência artificial. Tenho para mim que Robert Solow
ainda viverá o suficiente para se repetir e dizer que há robôs e inteligência
artificial por todo o lado menos na aceleração da produtividade, como o disse
nos anos 70 a propósito dos computadores. E finalmente a procura por ativos
seguros não pode deixar de rebaixar também as taxas a longo prazo.
A divida
portuguesa não se paga com a R-star e os portugueses muito menos as suas
responsabilidades de dívida. Mas conviria não esquecer os fatores de longo
prazo. Isto se os italianos não fizerem borrada.
Sem comentários:
Enviar um comentário