sexta-feira, 25 de maio de 2018

AS TAXAS DE JURO

(Imagem com que o Financial Times acompanha o artigo de Lawrence Summers a que se faz referência no texto)


(Nunca como hoje a distinção necessária entre taxas de juro de curto prazo e a taxa de juro natural ou R-Star como lhe chama John C. Williams que preside ao Banco da Reserva Federal de S. Francisco e tem assento no FED-USA é crucial para anteciparmos o futuro. O debate não tem aplicação imediata na economia portuguesa, mas convém não o ignorar).

A subida das taxas de juro de referência para a economia portuguesa faz parte da carteira de ameaças que os menos indulgentes para com o estado atual da economia portuguesa associam à prosaica vinda do diabo, que felizmente perdeu força na discussão política em Portugal. Essa invocação por antecipação subiu de tom quando na Reserva Federal americana os falcões se sobrepuseram aos moderados e aumentaram pela primeira vez, depois de muito tempo, as taxas de juro de referência. Para lá da vulgata interesseira do diabo, compreende-se os receios quanto às taxas. A dívida pública em termos globais e em percentagem do PIB permanece muito elevada para uma economia de pequena dimensão como a nossa. O resgate de 2011 introduziu um padrão que é difícil apagar no futuro imediato. O país não tem o estatuto de um acolhedor natural de financiamento externo que disfarça noutros países a ameaça da dívida. E para além disso, a todo o momento, o desvario italiano pode finalmente contrariar o “Too big to fail”. E não ignoremos que a reestruturação interna da dívida para reduzir a taxa média de juro dos nossos compromissos ainda está em curso, pelo que as vulnerabilidades existem. Mais do que ninguém, Mário Centeno sabe disso e embora não o invoque demasiadas vezes junto dos seus parceiros de acordo parlamentar à esquerda isso não significa que não esteja desperto para essa eventualidade. Até porque não sabemos se depois de Draghi virão personagens que entendam a situação.

Ao contrário do que muito boa gente pensa, um bom economista não significa que seja um bom adivinho do comportamento das taxas de juro. Certamente que o universo dos erros de expectativas estará cheio de economistas competentes e até macroeconomistas de profissão. O que pode fazer é explicar com maior ou menor profundidade de perspetivas de análise o contexto em que o comportamento das taxas se inscreve.

É nesse contexto de melhor compreensão do contexto em que diferentes fatores podem ocorrer que tem relevância distinguirmos entre as condições de crescimento económico e de mercado de trabalho a curto prazo que podem influenciar as taxas de juro e as condições estruturais e de longo prazo que condicionam as taxas de juro. As primeiras estão regra geral na base das decisões dos bancos centrais que fixam as taxas de referência. As segundas relevam de outra natureza, apontam para os fatores estruturais de longo prazo e estão na base do que os macroeconomistas designam de taxa natural de juro. Embora haja variantes de definição, a taxa natural de juro ou de equilíbrio de longo prazo é a taxa real de juro que tende a fixar-se estavelmente quando a economia está no seu máximo potencial de crescimento ou lá perto. Já aqui repetidas vezes sublinhei a necessidade de modéstia nestas coisas. É que não é líquido que todos os macroeconomistas concordem sobre os cálculos e operações a realizar para avaliar se a economia está ou não no seu máximo potencial.

Ora, sobretudo a partir da ação de economistas americanos (e citarei dois), é hoje possível apreender que estes dois níveis de determinação e influência das taxas de juro apresentam hoje pressões diferenciadas. No que respeita às taxas de juro de curto prazo, depois de larga hesitação, a aproximação da economia americana dos níveis de produto máximo potencial levou o FED a traçar uma trajetória de subida (modesta, diga-se) de taxas de referência. Janet Yellen não se esqueceu que uma subida precoce e inoportuna de taxas é bem mais nefasta do que a necessidade de as subir para corrigir a posteriori sinais inflacionistas evidentes. O novo inquilino do FED é menos sensível a essa preocupação e parece mais próximo de falcões apontados à política monetária restritiva do que dos moderados. Nessa perspetiva, não parece arriscado admitir que a pulsão no curto prazo será de subida. Como é óbvio, por exemplo, se o desvario italiano se tornar real e se o edifício do Euro estiver de novo ameaçado, outros fatores conjunturais poderão sobrepor-se aos ventos de subida que sopram dos EUA.

Outra questão bem diferente é o comportamento previsível da taxa de juro de equilíbrio de longo prazo que algumas estimativas (diga-se que não menos complexas do que as do produto potencial) apontam para um valor de 0,5%.

Em 6 de maio de 2018, apesar do comportamento da economia americana, não tão comparativamente brilhante face a períodos anteriores como a fanfarronice de Trump sugere, Lawrence Summers que cunhou o termo da estagnação secular, trazendo a designação de Alvin Hansen para os tempos de hoje, afirmava no Financial Times que essa ameaça não se tinha desvanecido. O que é a mesma coisa que dizer que a taxa real de juro de equilíbrio não tem condições decisivas para aumentar significativamente acima do valor atrás referido dos 0,5%. A explicação é simples e resume-se a uma pergunta orientadora: os fatores estruturais que estão por detrás da ameaça da estagnação secular dissiparam-se ou permanecem influentes? A resposta parece clara: nada de substancialmente diferente aconteceu com a chegada de Trump ao poder em matéria desses fatores. E até poderemos dizer que pela primeira vez uma presidência faz parte do desconchavo da incerteza, rebaixando a confiança necessária para o investimento de mais longo prazo.

É aqui que tem muito interesse a leitura do artigo que John C. Williams acaba de publicar na Economic Letter do Banco da Reserva Federal de S. Francisco. O macroeconomista americano preside ao FRBSF e tem assento na equipa do novo presidente Powel do FED USA. Não é por isso um perigoso economista radical como as tropas de Trump poderiam designá-lo. Williams recorda que os três fatores cruciais que influenciam a taxa de juro real de equilíbrio de longo prazo, que designa de R-Star são: o declínio demográfico, a desaceleração da produtividade e o aumento da procura de ativos seguros. Todos estes três fatores mantêm-se atuantes e influentes no sentido da manutenção da R- Star a níveis baixos. A questão demográfica vem associada ao aumento da esperança de vida que tende a prolongar os padrões de poupança elevada (não apenas os alemães) e a rebaixar a taxa de juro. Veicula também menos gente para o mercado de trabalho, apontando na mesma direção de efeitos. A desaceleração da produtividade continua apesar de todas as promessas tecnológicas da robotização e da inteligência artificial. Tenho para mim que Robert Solow ainda viverá o suficiente para se repetir e dizer que há robôs e inteligência artificial por todo o lado menos na aceleração da produtividade, como o disse nos anos 70 a propósito dos computadores. E finalmente a procura por ativos seguros não pode deixar de rebaixar também as taxas a longo prazo.

A divida portuguesa não se paga com a R-star e os portugueses muito menos as suas responsabilidades de dívida. Mas conviria não esquecer os fatores de longo prazo. Isto se os italianos não fizerem borrada.

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